Tecnologia, persistência e apoio do governo levaram o Brasil a um mercado que deve triplicar nos próximos anos

Por Laila Muniz (Mapa)
João Dias Tavares
“Me chamaram de louco. Nem minha família acreditou que esse negócio podia dar certo”, conta João Dias Tavares Bisneto, terceira geração de uma tradicional família produtora de cacau na Bahia, que há seis anos começou a investir no fruto de alta qualidade. Três anos após comercializar o primeiro lote de amêndoas de cacau fino para uma pequena empresa catarinense de chocolate artesanal, João Tavares recebeu, em outubro, o prêmio de melhor cacau aroma chocolate da América do Sul pelo International Cocoa Awards, concedido anualmente durante o Salão do Chocolate de Paris. A feira na capital francesa é a maior vitrine mundial para produtores de cacau e chocolate, que expõem seus produtos para indústrias, especialistas, chocolatiers e um público estimado em 25 mil pessoas por dia.
A premiação é resultado da persistência de produtores brasileiros, investimento em tecnologia e apoio do governo na promoção do fruto nacional no exterior. “O Brasil não existia no mercado de cacau fino. Em dois anos, conseguimos uma repercussão que esperávamos conquistar em cinco anos”, afirma Henrique Almeida, diretor-presidente da Associação dos Produtores de Cacau (APC).  De acordo com o presidente da APC, atualmente o mundo produz 150 mil toneladas por ano do produto e há demanda para 400 mil. Almeida diz que o consumo de chocolate fino cresce na China 24% ao ano e no Brasil, 12%. “Temos muito espaço para crescer e o preço é remunerador. O cacau fino vale o dobro e, em alguns casos, até o triplo do valor do convencional, cotado hoje a US$ 2,7 mil, a tonelada”, explica.
A inserção do Brasil no mercado de cacau fino começou a partir da tese de pós-doutorado do pesquisador da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) Almir Martins. O trabalho, desenvolvido na cidade francesa de Montplellier, abordou a demanda europeia pelo fruto de alta qualidade. “Durante minha estada na França, trouxe uma série de amostras de amêndoas brasileiras para indústrias locais fazerem as correções necessárias para considerá-las de alta qualidade”, conta o pesquisador. Após a conclusão da tese, em 2007, a Ceplac convidou produtores a conhecer o mercado europeu de cacau fino.
Em 2009, o Ministério da Agricultura firmou o primeiro convênio com a APC para apoiar a ida de produtores nacionais ao Salão do Chocolate de Paris. Em 2010, dez produtores da Bahia, Pará e Espírito Santo mostraram seus produtos no estande brasileiro. Quatro deles, incluindo Tavares, receberam algum tipo de reconhecimento do International Cocoa Awards. A Ceplac ainda participou da seleção das sete amostras de amêndoas incluídas na competição. “Quando o país se posiciona como fornecedor de qualidade, abrem–se mais oportunidades para outros empresários”, opina o diretor do Departamento de Promoção Internacional do Ministério da Agricultura, Eduardo Sampaio, que compôs este ano a comitiva brasileira à feira de Paris. A promoção comercial contribuiu para que o cacau fino do Brasil se tornasse matéria-prima para chocolates de grifes reconhecidas mundialmente, como a francesa Bonnat, a belga Pierre Marcolin e a italiana Nespresso que comercializa em suas lojas na Suíça e França uma linha de chocolates de origem 74% cacau, produzida com amêndoas do baiano João Tavares. Para ampliar essa participação, a Ceplac criou um departamento socioeconômico voltado exclusivamente para o mercado de cacau fino, comandado por Almir Martins. O órgão tem uma linha de pesquisa para selecionar e classificar as amêndoas mais aromáticas, principal diferencial do cacau fino.
A aposta do produtor João Tavares deu tão certo, que hoje praticamente todos os 930 hectares de suas sete propriedades de Ilhéus, Uruçuca e Itajuípe são dedicados ao cacau fino. Foram três anos apenas para adaptar a tecnologia. “Produzíamos entre 13 mil a 15 mil arrobas. Em 2010, devemos fechar em 22 mil arrobas e, nos próximos quatro anos, a expectativa é ampliar para 40 mil arrobas (600 toneladas)”, estima. “Com o retorno financeiro estou melhorando a infraestrutura para meus funcionários e quero crescer com o compromisso de preservação ambiental”, completa Tavares. Para ele, o próximo passo é incluir o Brasil na lista oficial de produtores de cacau fino elaborada pela Organização Internacional do Cacau (ICCO, sigla em inglês).
O AROMA DO CACAU
A produção de cacau fino começa com a seleção das sementes e escolha das variedades usadas no plantio, explica o pesquisador da Ceplac Almir Martins. O tratamento pós-colheita, que inclui seleção das amêndoas, fermentação e secagem, também é determinante para um produto de alta qualidade, com aromas marcantes de chocolate, frutas vermelhas, especiarias, frutas amarelas e até flores, que configuram a principal característica do cacau fino. “Algumas pesquisas mostram que a região onde o cacau é produzido também influencia na qualidade do produto”, complementa Martins.