MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Agricultores rejeitam acordo de paz com índios no sul da BA, diz sindicato


"Paz só existe se eles se retirarem das propriedades", diz secretária-geral.
Acordo foi proposto em reunião na sede da entidade nesta segunda-feira.

Do G1 BA

A Polícia Federal reuniu fazendeiros e agricultores na sede do Sindicato dos Produtores Rurais da cidade de Pau Brasil, na manhã desta segunda-feira (23), e, por cerca de três horas, debateu com a comunidade rural proposta para encerrar a disputa de terras na região sul da Bahia, pelo menos até julgamento do caso pelo STF (Supremo Tribunal Federal), ainda sem previsão de ocorrer. De acordo com Cleide Aguiar, secretária-geral do sindicato, o encontro foi marcado pela presença de cerca de 60 pessoas, que rejeitaram a manutenção da paz se os índios não desocuparem doze fazendas localizadas nas imediações do rio Pardo.

"O delegado veio pedir para que a situação fique como está. Os índios permaneceriam ocupando as áreas já invadidas e ficariam na paz. Os agricultores fizeram contraproposta, pedindo para que eles se retirassem pelo menos das doze últimas fazendas invadidas, aí sim teria clima de paz. Paz só existe se eles se retirarem das propriedades", afirma. A secretária-geral do sindicato afirma que as 68 fazendas invadidas na região sul são de pequeno e médio porte e produzem leite e gado de corte, em sua maioria. A contraproposta feita pelos agricultores deve ser encaminhada para análise à coordenação local da Fundação Nacional do Índio (Funai).

A reunião foi mediada pelo delegado federal Alex Cordeiro, de Ilhéus, e pelo delegado do Comando de Operações Táticas (COT), que está na região com cerca de 30 homens da tropa especial desde a tarde de domingo (22).
Representante do mesmo sindicato, porém sediado na cidade vizinha de Iraju do Colônia, Hamilton Cardoso comenta que, de domingo (22) para esta segunda, duas outras fazendas foram invadidas e um curral foi queimado, inclusive pondo em risco a vida de parte do gado. "Queimaram a cerca, até animais morreram pegando fogo", conta.
Os delegados titulares da Polícia Federal de Ilhéus não trabalham na delegacia nesta segunda-feira porque é feriado municipal na cidade em homenagem ao dia de São Jorge. Os delegados que participaram do encontro estão sediados na área de conflito, entre os municípidos de Pau Brasil, Itaju do Colônia e Camacan. O G1 não consegue contato com eles. A reportagem também tenta contato com o representante local da Funai, Wilson Jesus de Souza, mas ainda não obteve sucesso.
No domingo (23), o delegado federal Rodrigo Reis comentou que há conhecimento de que cerca de 64 fazendas já foram tomadas pela população indígena, mas a Fundação Nacional do Índio (Funai) aponta 68. A série de ocupações por parte dos índios foi iniciada em janeiro deste ano, porém o conflito persiste na região há mais de 30 anos. O cacique Nailton Muniz indicou que, durante as últimas décadas, 393 propriedades foram empossadas pelos índios em todo o estado, com atualmente mais de quatro mil pessoas residentes.
PF na Bahia (Foto: Imagem/TV Santa Cruz)Delegado Rodrigo Reis pretende retirar armas das
áreas de conflitos (Foto: Imagem/TV Santa Cruz)
O delegado afirmou ainda que não há como relacionar, sem investigar, os crimes ocorridos nos dois últimos dias com a situação de disputas de terra que ocorre na região. 
No sábado (21), um homem foi encontrado morto dentro de uma fazenda com um tiro na nuca. Na sexta-feira (20), um índio foi pescar no rio em uma das fazendas ocupadas e foi atingido com um tiro na perna.
Caminhão incendiado em Pau Brasil (Foto: Imagem/TV Santa Cruz)Caminhão incendiado em Pau Brasil no sábado
(Foto: Imagem/TV Santa Cruz)
Caminhão incendiado
Um caminhão onde estavam trabalhadores rurais foi incendiado na manhã deste sábado, também na cidade de Pau Brasil. Ninguém ficou ferido. Segundo testemunhas, vaqueiros que usavam o veículo para seguir até propriedades rurais e retirar cabeças de gado foram obrigados a fugir correndo antes do caminhão ser incendiado.
Na delegacia, eles contaram que foram abordados por homens encapuzados e armados. Os suspeitos não foram localizados. O homem que dirigia o carro relatou que os trabalhadores chegaram a sofrer agressões, como chutes, antes de conseguirem correr para fugir do grupo.
Disputa
Desde janeiro, os índios já invadiram 68 fazendas. Eles querem ocupar 54 mil hectares de terra, entre os municípios de Itaju do Colônia, Camacan e Pau Brasil. Em Itaju do Colônia, foram invadidas todas as fazendas que, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai) estão dentro da área que seria da reserva indígena. No total, são 57 fazendas ocupadas só no município. Segundo o sindicato dos produtores da região, mais de 500 trabalhadores rurais já foram demitidos nas propriedades tomadas pelos índios.
Garantia de território
Em nota à imprensa, a Funai informou que as ocupações são estratégicas para a garantia de posse do território tradicional do índio. "Frente à espera de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ação proposta ainda em 1982, os pataxó hã hã hãe passaram a ocupar, desde janeiro deste ano, áreas que se encontram no interior da terra indígena mas que ainda são exploradas por fazendeiros. A decisão é tomada pelas comunidades indígenas e embasada em seus laços culturais e afetivos com suas terras, enquanto não se efetiva a plena proteção territorial a que fazem jus".
A Funai aponta que os índios têm, constitucionalmente, garantida a proteção de terras no sentido de favorecer a qualidade de vida e os costumes da população. Também indica a recorrência de "graves" violações aos direitos humanos dos índigenas como a morte, segundo a Funai, por omissão de socorro, de José Reis Muniz de Andrade, em fevereiro deste ano. "A ocupação de áreas tem se mostrado como uma estratégia para grupos que se encontram impedidos de gozarem de seus direitos territoriais, especialmente em áreas em que há grave ameaça à qualidade de vida dos indígenas e do meio ambiente de suas terras. Por ordem constitucional, é garantida a proteção das terras indígenas com condições ambientais e sociais mínimas para a manutenção dos modos de vida desses povos, segundo seus usos, costumes e tradições", afirma a nota.
índio (Foto: Reprodução/TV Bahia)índios já ocuparam 68 fazendas no sul da Bahia
(Foto: Reprodução/TV Bahia)
Pedido de nulidade
Segundo o chefe da coordenação da Funai em Pau Brasil, Wilson Jesus de Souza, o objetivo dos índios não é a posse das terras, e sim, a nulidade dos títulos que garantem a posse aos fazendeiros. Ele afirma que, em abril de 1982, a Funai entrou com um pedido junto ao Supremo Tribunal Federal requerendo a nulidade dos títulos de terra que foram concedidos aos fazendeiros.
O representante da Funai explicou que os índios reivindicam 54.100 hectares, área que foi demarcada como território índigena entre 1937 e 1938. "Dez anos após a demarcação das terras, em 1948, o Serviço de Proteção ao Índio (STI), órgão que era vinculado ao Ministério da Agricultura, inicia um processo de arrendamento das terras para os fazendeiros. Nessa época os índios não tinham que aceitar ou não, eles simplesmente eram obrigados a se submeter a determinação do STI, porque o STI era quem coordenava, administrava e dava as ordens na terra”, afirma.
O coordenador da Funai conta que, na medida em que os fazendeiros recebiam as terras, os índios acabavam sendo expulsos. “Nesse período houve uma grande chacina de índios. Isso aconteceu entre 1938 e a década de 1970. Eram 50 mil índios nesse território e hoje existe pouco mais de três mil índios na região sul”, explica. Wilson ainda comenta que, em 1926, houve uma primeira tentativa de demarcar os 54.100 hectares como território indígena, mas acabou sendo barrado pelos fazendeiros que dominavam a região cacaueira na época.
Ele também relata que, na década de 1970, já não havia índios na região e apenas oito famílias indígenas conseguiram continuar morando em aldeia na região de Itaju do Colônia. Nessa época, vários líderes indígenas se reuniram e formaram uma comissão, que foi até algumas capitais brasileiras, entre elas, Salvador, Rio de Janeiro e Brasília, para reivindicar às autoridades a posse das terras que ficam no “Território Indígena Catarina Paraguassu”, informou Wilson Souza.
De acordo com o coordenador, em 1976, três anos após a criação da Funai, a antropóloga Maria Hilda Baqueiro Paraíso, da UFBA, produziu um relatório identificando os índios que moravam ou trabalhavam na região e, a partir do trabalho, a Funai, em 1982, reúne os índios que estavam dispersos em uma fazenda chamada São Lucas, área de 1079 hectares, e reembolsou o fazendeiro que estava na terra, área que já havia sido demarcada como território indígena. “A Funai achou que seria rápido o processo de reintegração e ingressou com uma ação de nulidade dos títulos que estavam dentro dos 54.100 hectares junto ao Supremo Tribunal Federal. A partir daí inicia a luta pelas terras e os Índios aguardam uma determinação judicial”.

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