MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Em MS, colônia mantém tradição da chipa e sopa paraguaia na Sexta Santa


Iguarias são produzidas com até dois dias de antecedência para consumo.
Maior colônia do país vizinho no Brasil luta para manter tradições culturais.

Anderson Viegas Do G1 MS

Sopa e chipa paraguaia fazem parte da tradição culinária da Semana Santa em MS (Foto: Anderson Viegas/G1 MS)Sopa e chipa paraguaia fazem parte da tradição da
Semana Santa (Foto: Anderson Viegas/G1 MS)
Em Mato Grosso do Sul, estado que concentra a maior colônia paraguaia do Brasil, segundo o consulado do país vizinho em Campo Grande, os descentes e os imigrantes lutam para manter vivas suas tradições culturais e religiosas. Uma das principais é a do consumo na quinta e na Sexta-Feira Santa de apenas dois tipos de alimentos, a sopa paraguaia, um bolo salgado feito de fubá e queijo, e a chipa, que é similar ao pão de queijo.
A proximidade física entre Mato Grosso do Sul e o Paraguai, segundo a cônsul adjunta em Campo Grande, Sandra Blanco, fez com que muito paraguaios viessem viver no estado. Em razão da integração e miscigenação que ocorrem naturalmente desse processo, o conselheiro e ex-presidente da Associação Colônia Paraguaia, Amado Leite Pereira, diz que o maior desafio da entidade é preservar as tradições culturais do país vizinho.
“Na minha infância em Porto Murtinho [cidade no sudoeste do estado, a 454 km de Campo Grande], a sopa paraguaia e a chipa tinham que ser feitas até o meio dia da quinta. Depois não se poderia fazer mais nada. A Sexta-Feira Santa era consagrada. Não se podia pentear o cabelo, colocar um calçado, limpar a casa e as crianças não podiam nem brincar. Hoje, entre os paraguaios e os descentes que vivem em Mato Grosso do Sul, a maioria das tradições se perdeu, mas mantemos viva essa opção do consumo da sopa e da chipa”, explica Amado.
A dona de casa Nelida Pereira Peralta, irmã de Amado, diz que a produção de sopa e chipa segue todo um ritual. As receitas das iguarias, conforme ela, vem sendo passadas de mãe para filha na família a pelo menos três gerações. “As receitas que eu faço são as mesmas que minha mãe aprendeu com minha avó e ela com a mãe dela, e assim por diante. É lógico que sofreram algumas alterações. Na chipa, colocávamos banha de porco no tempo delas, hoje, usamos a manteiga. O queijo tinha que ser ralado ou cortado na hora. Atualmente já podemos comprá-lo ralado. São facilidades que vamos adotando”, explica.
A dona de casa Nelida Pereira Peralta prepara chipa e sopa paraguaia para a Sexta-Feira Santa (Foto: Anderson Viegas/G1 MS)A dona de casa Nelida Pereira Peralta prepara chipa e sopa paraguaia para a Sexta-Feira Santa
(Foto: Anderson Viegas/G1 MS)
Nelida comenta que geralmente na quarta-feira é feita a chipa, que tem maior durabilidade, de até uma semana, e na quinta pela manhã é preparada a sopa paraguaia, que pode ser consumida no máximo até três dias depois de ser preparada. Os dias em que as iguarias estão sendo produzidas são de intensa movimentação de parentes em sua casa, conforme ela. “É uma tradição. Todos vem provar nem que seja um pouquinho. E na Sexta-Feira Santa, se a família vai visitar amigos é costume levar um pouco da sopa e chipa que fez para trocar com eles”, recorda.
Outra tradição que a dona de casa, que além de descendente é casada com um paraguaio, faz questão de manter é a de não acender fogo depois do meio dia de quinta-feira. “Tudo o que vamos comer tem que estar pronto antes. Se recebemos alguma visita, café nem pensar em fazer. Podemos servir no máximo um suco, que já tem de estar pronto”, comenta, completando, entretanto, que em razão da idade, 69 anos, 2012 pode ser o último ano em que se dedica a fazer as iguarias. “Espero agora que meus filhos mantenham a tradição. As receitas eu já ensinei. Quero no próximo ano comer a sopa e chipa que eles fizerem”, brinca.
Família de Nelida se reúne para saborear a sopa e chipa paraguaia em Campo Grande, MS (Foto: Anderson Viegas/G1 MS)Família de Nelida se reúne para saborear a sopa e chipa paraguaia em Campo Grande
(Foto: Anderson Viegas/G1 MS)
O sociólogo Paulo Cabral, diz que a sopa e chipa, mesmo sendo os únicos alimentos consumidos pelos paraguaios e descentes na Sexta-Feira Santa, não são considerados como “comidas rituais”, aquelas que são produzidas por algumas culturas somente para datas específicas. “A sopa e chipa são alimentos típicos do Paraguai, e que são produzidos durante todo o ano. A questão da religiosidade que essa data tem para a colônia paraguaia está muito mais presente em outras tradições, como não acender o fogo, na Sexta-Feira Santa, e não pentear o cabelo, do que somente no consumo desses alimentos”, avalia.
Tradição e processo cultural
Mirta Mabel Escovar Torraca, descendentes de paraguaios e professora de história da Faculdade de Ponta Porã, município que fica na região de fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai, acredita que algumas tradições caíram no esquecimento enquanto outras resistem, como a do consumo da sopa e da chipa na Sexta-Feira Santa, em razão do dinamismo do processo cultural.
“O processo cultural é dinâmico e passa por constantes processos de adaptações e hibridismo. O homem como um ser essencialmente versátil está sempre sujeito a constantes transformações. Portanto, as tradições que continuam resistindo ganham novas roupagens, para atender as necessidades da sociedade vigente”, explica.
Maior colônia
Mato Grosso do Sul, conforme dados da Secretária Estadual de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), tem 1.131 quilômetros de fronteira com o Paraguai. Desse total, 434 quilômetros são de fronteira seca, em que o território brasileiro é delimitado do paraguaio apenas por marcos de concreto.
Oficialmente, o Consultado do Paraguai em Campo Grande, aponta que residem no estado 4.317 cidadãos paraguaios, mas a Associação Colônia Paraguaia da capital estima que o número seja bem maior, calculando que morem somente na cidade, entre descendentes e imigrantes, 80 mil pessoas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário