Festejos de o 'Boi Falô' chegam à 17ª edição no distrito de Barão Geraldo.
Além de atividades artísticas, evento conta com distribuição de macarrão.
Marcela de Andrade levou o filho Marcelo Augusto
à festa popular (Foto: Tiago Gonçalves/G1)
Espanto guardado como segredo: o boi voltou a falar. Dessa vez, ao garotinho Marcelo Augusto. Afinal, o menino jura de pés juntos que, no exato momento em que cutucou o focinho da réplica de o 'Boi Falô', o animal desabou em bronca. "Sai de perto de mim...", imita Marcelo a voz pomposa de boi. Cai na gargalhada, acompanhado pela mãe, Marcela de Andrade.à festa popular (Foto: Tiago Gonçalves/G1)
Crendices à parte, o distrito de Barão Geraldo, em Campinas, serviu de cena para a realização da 17ª edição da tradicional Festa do 'Boi Falô'. O evento, que tem por meta celebrar a Sexta-Feira da Paixão em tom pitoresco, reuniu em 2012 aproximadamente 1,5 mil pessoas, de acordo com a Polícia Militar.
Apesar de morar em Barão, Marcelo Augusto, de 6 anos, desembarcou na festa pela primeira vez. Chegou ressabiado, feito passarinho quando cai em alçapão. Aos poucos, criou intimidade com a réplica do boi. É sempre assim com as crianças. "Achei que ele estava enterrado nas flores. Depois, vi que era só a cabeça. Não fiquei mais com medo", conta o menino. Para provar a valentia, desferiu petelecos no chifre do boi. Tornaram-se amigos. "Achei ele legal e até simpático". O fascínio beirou até a vontade de levar o animal empalhado para casa. Elegeu o quarto para guardar a relíquia. "Colocaria ele em cima da cadeira". Marcela, a mãe, reprovou de imediato: "Afff!".
Edição 2012 da Festa do 'Boi Falô' no distrito de Barão
Geraldo, em Campinas (Foto: Tiago Gonçalves/G1)
Acompanhando as peripécias do filho com o boi, Marcela contou que já participou de outras edições da festa. Natural de Pernambuco, mora há 18 anos em Campinas. Tomou a tradição para si. "É legal. Esta festa quebra um pouco da tristeza da Sexta-feira da Paixão...", explica a mãe. Não foi sempre assim. Quando participou do evento pela primeira vez, estranhou. "Onde eu morava antes era muito católico. Uma festa desta não aconteceria". Arrastar o pequeno Marcelo Augusto à festa tem razão concreta. Deseja perpetuar a tradição. "Não sei se quando ele crescer a festa continuará, né?". Ao contrário de os anos anteriores, neste ano Marcela degustou o macarrão oferecido gratuitamente.Geraldo, em Campinas (Foto: Tiago Gonçalves/G1)
Enquanto os adultos domavam a vergonha para aproximar do boi enfeitado, colocado em ponto estratégico da festa; os cozinheiros de plantão misturavam o molho ao macarrão. Em 2012, 700 quilos de massa e 80 litros de molho foram preparados. O público esperado seria de 2,5 mil pessoas. "Sabe como é, né? Italiano sempre faz a mais. Essa festa foi fundada por três italianos, que já faleceram", conta Zuleica Cabedio, uma das organizadoras. A fim de apaziguar o tom profano do festejo, uma vez que se faz embalado por música caipira e fanfarra, um padre foi incumbido de benzer o macarrão.
Ao final da reza, o padre José Luis Araújo, responsável pela Paróquia Santa Isabel, em Barão Geraldo; aspergiu água benta no macarrão e nos cozinheiros. Não encontra nenhum pecado de confessionário na festa. Pelo contrário, aprova a tradição popular. "Não estamos em um dia de luto e tristeza. A sexta é de alegria, porque a morte de Cristo não foi em vão. Foi por nós", ressalta o padre. Há dez anos participa do evento. Coloca sob a distribuição do macarrão, o ponto forte do festejo. "A partilha. Jesus compartilhou. Morreu pela partilha para nos garantir uma vida melhor".
De acordo com a PM, festa popular reuniu 1,5 mil pessoas em Barão Geraldo (Foto: Tiago Gonçalves/G1)
Ajuda?A bênção do macarrão foi acompanhada por Pedro Serafim Jr. (PDT), prefeito em exercício de Campinas. Detalhe: em 2012, a quantidade de macarrão preparada diminuiu por falta de contribuição. Até porque o alimento vem de doações de empresários do distrito. Caiu de 900 quilos para 700. Interrogado pelo G1 sobre o distanciamento do poder público na realização do almoço da festa, Serafim Jr. afirmou que "não recebemos nenhum pedido de ajuda neste sentido. Estamos à disposição", explica o prefeito. Como de praxe, a prefeitura auxiliou apenas na preparação da estrutura da festa.
Família Silva desembarcou pela primeira vez na
Festa do Boi 'Falô' (Foto: Tiago Gonçalves/G1)
EstreiaSeu Paulo Luiz da Silva, de 59 anos, sempre ouviu falar bem do macarrão. Por essas e outras, resolveu pela primeira vez reunir a família e levá-la à festa. Dito e feito: foi o primeiro a receber o prato do almoço. Deu o braço a torcer aos comentários. "Achei o macarrão maravilhoso...", avalia Luiz.Festa do Boi 'Falô' (Foto: Tiago Gonçalves/G1)
Ao lado do marido, dona Maria Madalena, de 49 anos, ficou numa saia justa quando foi instigada a eleger qual o melhor macarrão: o da festa ou o do marido? Respondeu em tom diplomático: "Os dois, né? Não dá para escolher...", conta a mulher. Após o almoço em família, a dupla antecipou o programa da noite. "Vamos à procissão...!".
Mensagem
Apesar de profana, a Festa do 'Boi Falô' tem caráter solidário. Afinal, "tem muita gente que não tem o que comer neste dia...", lembra a organizadora. Noutro ponto, destaca Zuleica, os festejos propõem o encontro íntimo entre os moradores. "Vira uma grande família. Sou de Barão Geraldo e venho nesta festa desde pequena". Por fim, reaviva na cabeça dos mais jovens a tradição peculiar do distrito. Mesmo, um tanto sobrenatural. Se acredita na tagarelice do boi, Zuleica diz que sim. "Escuto esta história há 48 anos. Acredito".
Lenda
A lenda é ligeira. Contam que, numa Sexta-Feira Santa, o escravo Toninho foi trabalhar, sob ordens do capataz. Detalhe: a seu contragosto. Dito e feito: no meio do pasto, após encarar um boi, o animal resolveu conversar com o trabalhador. Na conversa, o boi ressaltava que o dia não era nada propício para a labuta na roça. O animal teria dito: 'Hoje é dia santo, é dia do Senhor, não é dia de trabalho'. Um espanto. Daí, "o Toninho foi até a casa grande gritando ao coronel: 'O boi falô, o boi falô...", completa Zuleica.
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