MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Universitário indígena de MT diz ter obrigação de ser o melhor da sala


Adaptação na cidade e com o português é problema entre os indígenas.
Quase 200 índios estudam nas duas universidades públicas do estado.

Dhiego Maia e Pollyana Araújo Do G1 MT

Índio bororo vai se formar em Direito no próximo ano em Mato Grosso (Foto: Dhiego Maia/G1)Índio bororo vai se formar em Direito no próximo ano
na UFMT (Foto: Dhiego Maia/G1)
Casado, pai de um filho e ex-seminarista, o índio da etnia Bororo, Libério Uiagumeareu, de 23 anos, só não imaginava que um dia pudesse se tornar advogado. Nascido numa aldeia localizada na zona rural do município de Barra do Garças, a 516 quilômetros de Cuiabá, o indígena vai se formar no próximo ano na maior universidade pública de Mato Grosso, a UFMT. Ele faz parte de um grupo seleto de 173 indígenas que estão cursando o ensino superior no estado, graças a um projeto experimental de graduação para indígenas.
Ao G1, o bororo diz que o processo de adaptação no cotidiano de uma grande cidade, como Cuiabá, é diário. Por conta do benefício, ele se sente na obrigação de estudar mais que os colegas de classe para fazer jus à oportunidade. “Muita gente duvida da nossa capacidade. Por isso tenho que dar o melhor de mim. Se eu reprovo em alguma matéria, tem muita gente de olho no meu desempenho”, afirmou o universitário.

O primeiro ano de curso não foi nada fácil. Libério conta que precisou fazer um curso extra de português e monitoria nas disciplinas consideradas mais difíceis por ele para acompanhar a turma. O esforço surtiu efeito. Com 8 de média geral, o universitário nunca reprovou em nenhuma disciplina.
Filho de um pai alcoólatra e advindo de uma aldeia já sem traços culturais de origem, o indígena diz que o conhecimento diferencia a sua geração da anterior. "A geração dos meus pais sofreu muito por falta de informação. Estar numa universidade ajuda muito porque, de alguma forma, estamos mais ligados no que está acontecendo e sabemos a forma e quando devemos reivindicar", disse.
Outro que sentiu na pele o desafio de ingressar numa universidade pública foi o índio da etnia Umutina, Felisberto Kupudunipa, de 26 anos. Ele cursa engenharia sanitária e ambiental na UFMT e, assim como Libério, vai se formar em 2013. Os primeiros dias na universidade não foram fáceis. "Muitos olhavam torto, com aquele olhar de discriminação, de preconceito mesmo. Achavam que a gente não tinha capacidade de entender e seguir no curso", afirmou.
Muitos olhavam torto, com aquele olhar de preconceito mesmo. Achavam que a gente não tinha capacidade"
Felisberto Kupudunipa, futuro engenheiro sanitário
Segundo Felisberto, a presença dos índios na universidade pública só ocorreu após 10 anos de reivindicação por parte do movimento indigenista. Assim que conquistarem o tão sonhado diploma, todos eles terão que reverter para as respectivas aldeias, o conhecimento adquirido na universidade. Libério pretende prestar assistência jurídica para o povo bororo.Já Felisberto quer elaborar projetos ligados ao abastecimento de água, esgotamento sanitário e contra o desmatamento nas aldeias.
A mulher de Libério, também indígena, foi beneficiada pelo programa e cursa atualmente o primeiro semestre de psicologia na UFMT.  Nonoguari Comaecureudo Lima, assim que se formar, vai trabalhar com a recuperação de bororos dependentes de bebidas alcoólicas. A aldeia, segundo ela, está à beira de um caos por conta do uso exagerado do álcool. "O álcool era cultural, mas hoje virou um vício. A falta de expectativa na vida tem levado meu povo a se tornar dependente da bebida", explicou.
No dia do Índio, comemorado nesta quinta-feira (19), Libério diz que não tem nada a comemorar. "O dia 19 não é um dia de comemoração, mas de luta, de busca por direitos. Essa PEC 215 só veio para tirar os nossos direitos. Vai chegar o dia em que iremos comemorar o dia 19", apontou.
A PEC-215, de autoria do deputado Almir Sá (PPB-RR), quer passar do Executivo para o Congresso Nacional a responsabilidade sobre a demarcação de Terras Indígenas. A Proposta de Emenda à Constituição já passou pela Câmara de Constituição de Justiça, da Câmara Federal, e seguirá para o Congresso Federal.
Inclusão
Hoje, em Mato Grosso existem 173 indígenas matriculados nas universidades públicas por meio do Programa de Inclusão Indígena (Proindi), que teve início em 2008 no estado. Os cursos de bacharelado são oferecidos pela UFMT e os de licenciatura pela Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat).
Índios da Unemat (Foto: Assessoria/ Unemat)Hoje, existem 90 Índios estudando na Universidade Estadual de Mato Grosso. (Foto: Assessoria/ Unemat)
Até agora três índios de aldeias do estado concluíram cursos de graduação na UFMT. A meta do programa, de acordo com a coordenadora de Políticas Acadêmicas da instituição, Sumaya Persona de Carvalho, é atingir o número de 100 indígenas matriculados na universidade. Hoje, já são 83 alunos oriundos de 13 etnias diferentes que estão estudando nos quatro campi da UFMT, contando com os 25 aprovados no último processo seletivo da instituição.
No entanto, conforme a coordenadora, o projeto ainda está em fase experimental e, por isso, é preciso chegar a 100 alunos para ser mantido. Eles têm a oportunidade de cursar, por exemplo, medicina, direito, psicologia, engenharia florestal, nutrição e comunicação social.
Sumaya esclarece que a intenção do programa é que depois de concluir o curso o aluno volte para a aldeia de origem e possa ajudar a comunidade atuando na área. Ela conta que dos três indígenas que se formaram desde o início do projeto já retornaram para as suas comunidades. Dois deles fizeram enfermagem e outro, nutrição.
Índia já concluiu o curso de Ciências Matemáticas e da Natureza. (Foto: Assessoria/ Unemat)Índia já concluiu o curso de Ciências Matemáticas
e da Natureza. (Foto: Assessoria/ Unemat)
“A nossa proposta é que eles [indígenas] consigam espaço nas aldeias. A preocupação da universidade não é só dar o curso, mas fazer com que trabalhem na área”, afirmou a coordenadora ao G1. Ela explica que os alunos recebem um acompanhamento acadêmico de modo que sigam o ritmo dos outros universitários. “Esse acompanhamento é necessário, principalmente porque eles têm a língua indígena como a língua-mãe, então podem ter dificuldade com o português”, frisou.
Para custear as despesas, os alunos indígenas recebem uma bolsa-auxílio no valor de R$ 900 concedida pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Entre as exigências para ter direito ao benefício é a frequência mínima de 75% de presença por disciplina, estabelecida em um termo de compromisso com a Funai.
Os cursos ofertados pela UFMT, no entanto, são bacharelados, já os de licenciatura são oferecidos somente pela Unemat em parceria com a Secretaria de Educação de Mato Grosso, Fundação Nacional do Índio e Ministério da Educação (MEC) no campus de Barra do Bugres, a 344 quilômetros de Cuiabá.
Na Unemat, os indígenas têm a opção de se especializar nas áreas de Línguas, Artes e Literaturas, assim como em Ciências Matemáticas e da Natureza e Ciências Sociais e Pedagogia Intercultural. Os cursos têm a duração de cinco anos. O período letivo é diferenciado dos demais. Eles estudam de forma intensificada um mês ao ano.

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