MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Acho o material reciclável uma obra de arte, diz catadora há 29 anos


Lia começou a coletar recicláveis, em Curitiba, aos 10 anos.
Hoje atividade é profissão: somos úteis para limpeza da cidade.

Ariane Ducati Do G1 PR

Aos dez anos, Maria José dos Santos, ou simplesmente Lia, como prefere ser chamada, já recolhia material reciclável nas ruas de Curitiba para poder se sustentar. Hoje, aos 39, ela conta que a atividade se transformou em profissão. “No começo, era pelo dinheiro, pra matar minha fome. Mas hoje, a gente sabe que é útil, muito útil”, conta.

A série 'Protagonistas do Verde' conta com três reportagens e cada uma delas apresenta um personagem que desempenha uma atividade sustentável, ligada a preservação do meio ambiente e preocupada com o futuro da planeta, temas discutidos na Rio+20.

Integrante de uma das 13 cooperativas de separação de material reciclável de Curitiba, desde 2007, Lia comenta que aprendeu muito nos últimos seis anos -- desde que começou a participar de cursos e palestras sobre a importância da reciclagem, a destinação dos materiais e a consciência ecológica. Além disso, com a instrução, ela começou a pagar a contribuição ao INSS e a pensar no futuro.
A gente cata, recicla, recupera. Isso, é a mesma coisa que um diamante. No começo é aquela pedra feia e acaba deixando bonito"
Lia dos Santos, catadora em Curitiba
“Antes eu achava que era apenas mais uma carrinheira, que estava ali para sobreviver. Agora eu aprendi que não. Que a gente é muito útil para a limpeza da cidade, para natureza, para o meio ambiente”, relata com autoridade.

Lia chega a recolher 400 kg de lixo reciclável por dia. Material que depois é separado em até 26 tipos diferentes, entre papel branco, papelão, plástico, copo plástico, latinhas, e armazenado até a sexta-feira, quando tudo é pesado e vendido. Segundo ela, a separação é muito mais trabalhosa que a coleta dos materiais nas ruas.

“Por semana, eu tiro R$ 200 a R$ 250, depende do meu trabalho. Porque é assim, você não tem patrão, só que se você não trabalhar bastante, você não ganha também”, diz. Lia tem um ajudante que a acompanha na coleta e na separação dos recicláveis, todo o dinheiro que ela recebe é dividido entre os dois.
“Graças a Deus essa semana foi boa, vou tirar uns R$ 300”, conta para a reportagem do G1 que encontrou com ela em uma sexta-feira. A coletora estima que recolheu mais de duas toneladas de lixo reciclável em seis dias de trabalho – de sábado a sexta-feira, folgando apenas no domingo.
Lia chega a recolher 400 kg de material reciclável por dia (Foto: Ariane Ducati/ G1)Lia chega a recolher 400 kg de material reciclável
por dia (Foto: Ariane Ducati/ G1)
Consciente e orgulhosa do que trabalho que faz, Lia não esconde que tem satisfação em separar aquilo que foi para a lixeira.
“Eu acho o material reciclável uma obra de arte. Porque para o povo é lixo, pra sociedade a gente é catador. Que vai lá, cata, recicla, recupera. Isso, é a mesma coisa que um diamante. Que no começo é aquela pedra feia e a gente acaba deixando bonito. Então pra mim, a minha vida sem o reciclável, acho que acaba. Eu sempre digo que se morrer puxando o meu carrinho, eu vou morrer feliz”, relata com sorriso no rosto.

Mãe de três filhos, de 24, 19 e 15 anos, e avó de uma menina de seis anos, Lia sabe que o material que acaba indo para o aterro sanitário é dinheiro perdido para ela. “Todo esse material que é jogado no lixo, que a maioria vai até para o aterro sanitário, é revertido de novo pra gente, pra sociedade. Se ele vai para o aterro sanitário, ele é lixo lá. A vida útil do aterro vai ser menor. E é dinheiro que a gente podia estar ganhando, colocando na mesa”.
Ela ainda conta que diariamente enfrenta proconceito nas ruas e acredita que falta informação da maior parte da sociedade para saber que os catadores, ou carrinheiros, estão fazendo um trabalho de limpeza da cidade.

“O lixo da tua casa é teu. Você que produziu ele, não foi eu. Aí, o carrinheiro vai lá, pega o carrinho, sai embaixo de sol, chuva, para recolher esse material, esse lixo como a sociedade fala, e ainda tem pessoas que acham ruim”, relata.

“Muitas vezes a pessoa te humilha, mas nem sabe que você faz a diferença por estar catando aquele material na rua. Pensa, essa daí é uma coitada qualquer. Agora com todos esses problemas da natureza, quando ela vem devastando, mata rico, pobre, preto, branco, bonito... Não quer saber. Porque o próprio homem abusa, não cuida”, aponta.
Lia em Curitiba (Foto: Ariane Ducati/G1)Assim como Lia, 80 mil brasileiros trabalham como
catadores de recicláveis (Foto: Ariane Ducati/G1)
Em Curitiba, mais de 300 catadores fazem parte do projeto municipal EcoCidadão, que funciona desde 2007 e inclui 13 cooperativas. O objetivo é a inclusão socioambiental dos coletores informais, que no ano passado recolheram 4,7 mil toneladas de material reciclável. A Catamare, cooperativa em que a Lia é associada, tem outros 41 catadores.

Segundo o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), 800 mil pessoas trabalham no Brasil como coletores.

Ao se despedir da equipe de reportagem, Lia deixa o recado: “Vamos separar o lixo, hein! É a única coisa que eu peço”.

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