MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 10 de novembro de 2012

Consumo da classe média pode fazer China retomar o ritmo de crescimento


Expectativa é que classe média chinesa triplique o seu tamanho até 2025.
Congresso que anunciará transição de poder no país começou na quinta.

Paula Ramón Especial para o G1, em Pequim

china classe média produtos 300 (Foto: Carlos Barria/Reuters)Consumidora olha produtos em loja de eletrônicos
de Xangai (Foto: Carlos Barria/Reuters)
Na China contemporânea, as mudanças no comportamento da população ocorrem em ritmo acelerado. Consumidores trocam bicicletas por automóveis, vão a shoppings ao invés de lojas pequenas, preferem usar grifes europeias e americanas a vestir os ternos "mao" padronizados e veem bairros tradicionais -  "hutongs" - transformarem-se com arranha-céus de até 50 andares. Essa transformação envolvendo o padrão de consumo dos chineses deverá nortear a nova liderança política da China.
Praticamente inexistente quando a China iniciou reforma econômica, em 1978, a classe média representa hoje cerca de 25% da população,
mais de 300 milhões de habitantes
O Partido Comunista Chinês, que governa a China em regime de legenda única, começou na quinta-feira (8) um congresso no qual deverão ser anunciadas mudanças na liderança do país. Neste sábado (10), o país anunciou que está superando as dificuldades da economia e deverá atingir a meta de crescimento para o ano, de 7,5%.
Para recuperar o ritmo de crescimento que a China apresentou em 2010, de 10,3%, ultrapassando o Japão como a segunda maior economia do planeta, o novo governo deverá centrar suas atenções na nova classe média, capaz de aumentar o consumo doméstico, frear a desaceleração da economia e diminuir o abismo que existe entre os ricos e pobres.
Praticamente inexistente quando a China começou a sua reforma econômica, em 1978, a classe média representa hoje 25% da população chinesa, equivalente a mais de 300 milhões habitantes, segundo dados do Escritório Nacional de Estatísticas da China.
No Brasil, estima-se que existam 104 milhões de pessoas na classe média, o que representa 53% da população brasileira. De acordo com a projeção mais recente divulgada pela Fundação Getulio Vargas (FGV), até 2014, mais 13 milhões de brasileiros vão ascender à classe C, popularmente conhecida "classe média" - um aumento de 11,9%.

Helen Wang, autora do livro "O sono chinês", explica que um valor adequado para medir a classe média na China é o de renda familiar anual de US$ 10 mil a US$ 60 mil, critério que, de acordo com as estatísticas, descreve 50% da população urbana do país - equivalente a 665 milhões de pessoas. O governo da China não faz uma avaliação específica sobre esse assunto.
Esse novo grupo de consumidores da China cresce a uma velocidade tão alta que poderia duplicar-se e até mesmo triplicar-se até 2025
No Brasil, a classe média tem renda per capita (por pessoa) entre R$ 3.492 e R$ 12.228 por ano.
De acordo com a pesquisadora, esse novo grupo de consumidores, que surgiu apenas nas últimas duas décadas, cresce a uma velocidade tão alta que poderia duplicar-se e até mesmo triplicar-se para finais de 2025, ano em que a China deverá ter superado os Estados Unidos em valores como Produto Interno Bruto (PIB), consumo de combustível, gastos de consumidores e orçamento de defesa.

A mãe de Teresa Zhao (nome fictício), 27 anos, editora da versão local da revista de moda Marie Claire, não podia imaginar que o acesso de sua filha ao consumo seria tão diferente do seu – o de uma professora nascida e criada na era maoísta (1949-1976), quando as roupas eram adquiridas por meio de cupons estatais.

Como muitas jovens da sua geração, Teresa começou a folhear publicações de moda durante o ensino médio. "Concluí que essas eram as coisas que precisava ter, o estilo de vida que queria seguir", disse ao G1. Entrar no mundo da moda assegurou a Teresa a compra de objetos de luxo a preços de ponta de estoque. Teresa conta que gasta 12% do seu salário mensal de 18 mil yuan (R$ 5.900) em compras de ponta de estoque.
Ela pertence à geração dos filhos únicos. Formada em Pequim, divide um apartamento com uma amiga para minimizar os gastos com aluguel - a despesa mais alta no custo de vida da capital chinesa. O preço médio de aluguel por metro quadrado é de R$ 18,7.
CUSTO DE PRODUTOS E SERVIÇOS NA CHINA
PRODUTO/SERVIÇO PREÇO (R$)
iPhone 4S 1.464
Aluguel médio por metro quadrado 18,2
Corte de cabelo médio (para mulher) 32,60
Sapatos para mulher da marca Melissa 319,70
Jantar para dois em restaurante caro 196
Carro New Santana (2013) 21.200
Café expresso 8,16
Bilhete de metrô 0,65
Mesmo tendo uma renda alta para a sua idade, ela admite que não consegue poupar. Seu meio de transporte é metrô e táxi, que têm tarifa mínima equivalente a R$ 3,26 por bilhete e R$ 0,65 por quilometro recorrido, respectivamente.
Concluí que essas [roupas de grife e artigos de luxo] eram as coisas que precisava ter, o estilo de vida que queria seguir"
Consumidora chinesa
Apesar do aumento da consolidação de uma classe consumidora cada vez mais ativa, um dos grandes problemas que a China vive atualmente é a renda desigual da população, que acaba aumentando de forma alarmante o abismo entre a cidade e o campo, onde vivem 675 milhões de chineses - mais de três vezes a população brasileira e quase 10% da população mundial.
Apesar de tantos chineses como Teresa Zhao conseguirem comprar mais hoje, há os que ainda têm de sair de suas casas para conseguir empregos melhores em outras regiões e, com isso, aumentar sua renda. O valor que a editora de moda gasta em compras por mês, por exemplo, 2.300 yuan (R$ 707) equivale ao que a migrante Zhou Shen Mei ganha como empregada doméstica em Pequim.
Com isso, Zhou Shen Mei complementa a renda do marido, que trabalha em reformas de casas, para pagar as despesas dos três filhos que moram com o pai na Província natal de Anhui. Ela mora sozinha num bairro tradicional chinês, conhecido como "hutong". O quarto, sem banheiro (os hutongs têm banheiros públicos), é de mínusculos 4 metros quadrados.
A doméstica vai ao trabalho de motocicleta elétrica, que na cidade pode ser comprada, de segunda mão, por 1 mil yuan (R$ 326,19). Ela se considera bem-sucedida porque o seu filho mais velho conseguiu entrar em uma universidade de sua Província natal, mas conta que, "se soubesse os custos de ter uma família, só teria tido um filho".
Mulher experimenta par de botas em uma loja no centro de Pequim (Foto: David Gray/Reuters)Mulher experimenta par de botas em uma loja no
centro de Pequim (Foto: David Gray/Reuters)
Desigualdade de renda
O índice Gini, que avalia a desigualdade de renda (0 é a distribuição perfeita e 1 o grau máximo de desigualdade) registrou ma China, em 2011, um coeficiente de 0,516 - um dos piores do mundo, segundo cálculo da empresa britânica Euromonitor. É quase igual ao do Brasil (0,517), com a diferença que, no país asiático, a tendência é de aumento, enquanto no Brasil a desigualdade vem caindo nos últimos anos.
O Escritório Nacional de Estatísticas da China informou que, em 2011, o ingresso anual de uma família na área rural era de 6.977 yuan (R$ 2.270), um terço da renda média na zona urbana - 21.189 yuan (R$ 7.095). É o maior abismo desde o início das reformas, há 34 anos.
Uma pesquisa de opinião recente do instituto americano Pew Research Center revelou que a desigualdade é uma das principais preocupações para 48% dos entrevistados. O que é pior: oito em cada dez entrevistados afirmaram que as mudanças favorecem que "os ricos fiquem mais ricos, e os pobres, mais pobres".

Mercado de luxo em altaA Associação Mundial de Luxo (WLA pelas siglas em inglês) aponta que as vendas no segmento na China aumentaram de US$ 3,5 bilhões, em 2002, para US$ 12,6 bilhões em 2011, sem tomar em conta as compras de jatos, iates e automóveis. As projeções são de que o país, hoje o quinto mercado de luxo do mundo, desbanque em cinco anos a França, a Itália e o Japão, ficando em segundo lugar, abaixo somente dos Estados Unidos.

Os números da febre chinesa por produtos de luxo impressionam. Das 104 lojas que a marca Armani tem na China, 70 começaram as suas operações nos últimos três anos, segundo a consultoria Bain & Company. Já a grife mais desejada dos chineses, Louis Vuitton, passou de 10 para 38 butiques entre 2008 e 2011.
O país, que fez da bicicleta seu ícone nos anos 1970, saltou de 42 mil unidades de automóveis importados, em 2000, para mais de 1 milhão uma década depois.

No setor de alimentos, a Kentucky Fried Chicken cresceu de uma sucursal em Pequim, em 1987, para 3,2 mil em 650 cidades chinesas, no ano passado.
Na procura de um modelo sustentável Matthew Ferchen, professor de relações internacionais da Universidade Tsinghua (Pequim), afirma que é forte o debate interno sobre como a China deve evitar a chamada "armadilha da renda média" – quando um país cresce da pobreza, mas estanca antes de se tornar uma nação avançada. "Se a China quiser alcançar um modelo de desenvolvimento mais sustentável e equitativo, essas preocupações devem ser enfrentadas".

Deixando o mundo das especulações, o jornalista britânico Jonathan Watts, autor do livro "When One Billion Chinese Jump" (“Quando um bilhão de chineses pulam”) afirma que a classe média ainda é pequena em comparação com países ricos.

"Em outros países, o surgimento da classe média tendeu a incrementar a pressão por câmbios democráticos e campanhas ambientais, mas também fomentou um alto consumo de recursos. Acho que veremos uma tendência similar na China".

Em outros países, o surgimento da classe média tendeu a incrementar pressão por câmbios democráticos e campanhas ambientais, mas também fomentou alto consumo de recursos. Acho que veremos uma tendência similar na China"
Jonathan Watts, jornalista britânico
Correspondente do "Guardian" por nove anos, Watts diz que, no resto do mundo, isso implica "um maior mercado para bens de alto nível, talvez instabilidade motivada pelas pressões por reformas políticas e um aumento na competição por recursos. Uma visão mais positiva é de que a situação deveria forçar a classe média a levar um estilo de vida mais saudável e sustentável".

Neste ano, anúncio de reforma do sistema de ingressos mostrou que o tema se converteu em real preocupação para o governo. Cifras oficiais estimam que 10% da população mais rica do país concentram ingressos 23 vezes mais altos do que os 10% mais pobres.

Yang Yiyong, diretor do Instituto de Pesquisa de Desenvolvimento Social da Comissão de Reforma, explicou que "este não é um problema de gosto individual e de estilo de vida. Reflete uma brecha entre ricos e pobres que está impedindo a segunda maior economia do mundo de progredir ainda mais, e talvez esteja corroendo o seu tecido social".

Nenhum comentário:

Postar um comentário