MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Ex-morador de rua conclui graduação em pedagogia na UnB


Conquista foi celebrada com entrega simbólica de monografia ao reitor.
Mineiro de Ipatinga, Sérgio Ferreira entrou na universidade em 2006.

Káthia Mello Do G1 DF

Um ex-morador de rua concluiu, neste mês de novembro, o curso de pedagogia na Universidade de Brasília (UnB). A conquista foi celebrada com a entrega simbólica da monografia do estudante Sérgio Ferreira, 34 anos, ao reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Junior. A cerimônia de formatura, com recebimento do diploma, está prevista para o dia 18 de dezembro.
“Quando eu li meu nome [na lista de aprovados do vestibular], Sérgio Ferreira, eu saí gritando pela Esplanada feito um doido, um maluco. Aquilo para mim era uma conquista imensurável”. É assim que o recém-formado lembra o que sentiu quando passou, em 2006, no vestibular de pedagogia da UnB. Na época, vivia na rua. Durante os estudos recebeu apoio e hoje vive em uma pensão.
Pelo trabalho de conclusão de curso, cujo título é “As dificuldades dos moradores de rua do Distrito Federal de se inserirem por meio da educação formal”, recebeu menção honrosa. Na monografia, ele relata casos de amigos de rua em situação de vulnerabilidade social. Um deles conseguiu a reinserção e o outro permanece na rua. Nas 53 páginas, Ferreira relata as dificuldades e a adaptação à academia.
O ex-morador de rua Sérgio Reis Ferreira mostra a monografia na Faculdade de Educação, da UnB (Foto: Káthia Mello/G1)O ex-morador de rua Sérgio Reis Ferreira, com a monografia, na Faculdade de Educação da UnB (Foto: Káthia Mello/G1)
Com o desafio da graduação cumprido, agora ele planeja ir ao Rio de Janeiro reencontrar a dona de uma creche onde viveu. O projeto do mestrado também já está desenhado. “Meu projeto de mestrado é instalar a creche dentro da Faculdade de Educação, para as alunas jovens que são mães e, muitas vezes, abandonam o curso porque não têm onde deixar os filhos.
Acho que a inclusão excludente foi a maior pedra no caminho. Estava dentro, mas não me sentia dentro. Não tinha casa, dependia do apoio da instituição. Se eu não tivesse esse apoio, eu seria estatística da universidade como evasão. Eu não queria isso"
Sérgio Ferreira, ex-morador de rua e recém-formado pela UnB
‘Inclusão excludente’
Na chegada à universidade, Sérgio Ferreira teve que vencer o preconceito. “Acho que a inclusão excludente foi a maior pedra no caminho. Estava dentro, mas não me sentia dentro. Não tinha casa, dependia do apoio da instituição. Se eu não tivesse esse apoio, eu seria estatística da universidade como evasão. Eu não queria isso.”
Ele conta que viveu o conflito entre a liberdade da rua e as regras da academia. “Eu vim da rua. A rua tem as suas leis, que não estão escritas. A universidade tem suas leis escritas e não escritas. Eu tive que adequar minha forma de falar, vestir, reivindicar os direitos sem violência. Eu demorei um tempo para me adequar à universidade. A universidade também não estava preparada para me receber.
”O recém-formado conta que os anos dentro da universidade foram os melhores da sua vida. “Um dos melhores momentos para mim foi ser recebido pelo reitor. Foi um reconhecimento da luta, das privações, da garra que eu tive para que isso virasse realidade. Ser recebido na sala dele me fez sentir até melhor do que eu realmente sou. Não tenho palavras para mensurar como me senti lisonjeado pela academia.”
Sérgio entrega a monografia nas mãos do reitor José Geraldo de Sousa Junior (Foto: Emília Silberstein/UnB Agência)Sérgio entrega a monografia nas mãos do reitor José
Geraldo de Sousa Junior (Foto: Emília Silberstein/UnB
Agência)
Trajetória
O ex-morador de rua acredita que foi com os estudos que conseguiu mudar a sua história, que começou com uma infância de maus-tratos e abandono em Ipatinga, Minas Gerais.
“Minha família era desestruturada. Eu não conheci meu pai e minha mãe era trabalhadora das lavouras de cana-de-açúcar e café. Para suportar o trabalho braçal, ela bebia muito. Em casa, ela passava a violência para mim. Eu apanhava muito. Um dia eu fugi e fui procurar abrigo. Fui adotado.”
Nas creches, abrigos e orfanatos, também encontrou a violência. Fugiu de novo e foi morar na rua. Na década de 90, vivia no Rio de Janeiro.
“Os meus primeiros momentos na rua foram no Rio. Eu dormia na praia e na Igreja da Candelária. Na noite da chacina da Candelária, em 1993, eu e mais alguns amigos fomos dormir na Quinta da Boa Vista. Alguns que morreram eram meus amigos. Na minha vida, a morte sempre foi muito frequente.”
Aos 18 anos, o ele foi procurar a mãe, que já tinha morrido. Sem referências e condições, viveu na rua em Belo Horizonte até chegar a Brasília. “Eu ouvi a música Faroeste Caboclo, do Legião Urbana, e pensei que aqui ia achar todas as soluções”.
Mas o caminho até a sala de aula não foi simples. Ferreira conta que escolheu morar em uma quadra na Asa Sul onde ficam vários restaurantes para receber as sobras da comida. “Fica próximo a uma escola de jovens e adultos. Ali eu fiz o meu primeiro e segundo graus. Foi o meu primeiro contato com a educação.”
O desejo de continuar estudando o mobilizou a procurar um cursinho particular e fazer uma prova para uma bolsa de estudo. “Eu queria mudar a minha história e dar uma guinada na vida. Queria usar a educação para me emancipar da rua. Eu acho que consegui isso passando para a UnB”, disse.

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