MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O timaço que manda brasa

  • Por Daniel Telles Marques - ESTADO DE SÃO PAULO
“Todo brasileiro acha que é técnico de futebol e churrasqueiro”, define István Wessel. A afirmação parece precisa. Da escalação ideal da seleção à altura exata da picanha sobre a brasa muita gente tem – ou imagina ter – a resposta. Há a turma do sal antes do fogo e os dissidentes da salga no prato; os das carnes espetadas contra as arrumadas na grelha; e até os do pão embebido em álcool e os das pastilhas de álcool gel para acender o braseiro (sem falar dos que fazem pilha de carvão sobre uma cama de jornal – não nesta edição do Paladar, por favor).
Não há consenso. Ou há um apenas: o de que churrasco é festa ou motivo para tal. De todo modo, não foi em busca de consenso que o Paladar reuniu Belarmino Iglesias (Grupo Rubaiyat), István Wessel (Carnes Wessel), Marcos Bassi (Templo da Carne), Sylvio Lazzarini (Varanda Grill) e Andre Lima de Luca, Gustavo Bottino e Blake Watkins (BOS BBQ). Foi pelas ideias e maneiras de preparar carnes em vários tipos de churrasqueiras. As técnicas são simples, mas a ciência nem tanto.
Pesos-pesados. Iglesias, Lazzarini, Wessel, Bottino, Watkins e Bassi: ‘Churrasco é festa’. FOTO: Felipe Rau/Estadão
Laboratório. Marcos Bassi define churrasco metafisicamente. “É estado de espírito.” É estado de espírito e de matéria, mais especificamente transformações moleculares. Churrasco é uma combinação de reações físico-químicas que transformam tecidos musculares em comida saborosa a partir de quebras e reconfigurações de moléculas.
Carnes bem churrasqueadas são um desafio. Por que dura, se suculenta? Por que suculenta, se dura? Não é uma questão de afinidades, mas de química.
Aos 50°C, os filamentos de miosina – proteína responsável pela contração muscular – coagulam e expulsam parte das moléculas de água. Bastam 10°C acima e mais proteínas coagulam dentro das células, forçando ainda mais liberação de líquidos. Isso intensifica a suculência, mas aglutina colágeno. Aí a carne fica menos macia do que era quando crua. É aos 70°C que o colágeno começa a se dissolver, dando à carne a maciez de que gostamos.
A maior parte dos componentes moleculares é precursora de sabor, mas é preciso ativá-los para chegar à deliciosa carne. O fogo acelera esse trabalho, concentra proteínas e acumula sabores. Faz os aromas da gordura ficarem mais complexos.
Se a carne não ultrapassar o ponto de ebulição da água (100°C), o sabor será produto apenas da quebra do colágeno e de gorduras. Já aos 115°C, começam a acontecer as reações de Maillard. Simplificada ao epíteto de “reação de escurecimento”, as reconfigurações moleculares de Maillard são mais que apenas mudanças de cor.

Aquilo que começa como simples quebra de aminoácidos e açúcares se transforma em reações complexas que produzem centenas de novos tipos de moléculas. Se a temperatura na carne chega a 180ºC ocorrem reações que dão gosto de chamuscado à carne, com amargor típico.
Eis o problema: conciliar a temperatura necessária às reações de Maillard na superfície sem que o calor resseque o miolo. O segredo para assar carnes está no controle do fornecimento de calor.
Mas se essa teoria toda passa do ponto para você, vá à prática. “Com um buraco no chão, carne, fogo e espeto se faz um churrasco”, ensina Belarmino.
Escolha seu método, siga os passos básicos, acenda a churrasqueira como preferir e fique à vontade para defender sua escalação da seleção brasileira.
DE PIQUENIQUE
O que churrasquear: Como o braseiro fica bem perto da grelha, a gordura liberada pela carne forma labaredas, o que amarga o assado. Por isso, nesse método, prefira peças menos gordas e menores. É boa para hambúrgueres e grelhados rápidos
Características: Se a churrasqueira for fechada, ela dá toque defumado ao que for preparado ali dentro. Mas cuidado para não deixar queimar. Com a tampa, há menos tempo para fazer manobras
Limitações: Realimentar o fogo com mais carvão é difícil, pois é preciso tirar a grelha
Serve para: Passeios, piqueniques, lajes. Serve também para improvisar um churrasco em apartamentos ou na casa
de amigos
AMERICANA
O que churrasquear: Pedaços pequenos e carnes maiores vão bem. Funciona também com hambúrgueres, salsichas e linguiças
Características: Por ter a grelha a 25 cm da brasa, faz carnes com a tampa fechada sem tanto risco de queimar e preserva bem o gosto de fumaça. É como um forno potente, que acelera o cozimento
Limitações: Para repor carvão, é preciso tirar a grelha, interrompendo, ainda que por pouco tempo, o cozimento das carnes
Serve para: Quem gosta do gosto de fumaça e quer emular o barbecue americano no quintal. É boa para quem tem jardim ou varanda, mas não quer construir uma churrasqueira de alvenaria
DE ALVENARIA
O que churrasquear: Tudo. Todas as carnes vão bem – porções ou peças inteiras. Permite vários tipos de regulagem de altura, funciona para assados de longa duração e grelhados rápidos
Características: Carnes com leve gosto de defumado e com assado mais uniforme. Os tijolos absorvem e irradiam calor
Limitações: Não tem mobilidade e, devido às dimensões, pede mais carvão
Serve para: Quem tem espaço de sobra na casa e vontade de fazer churrasco todas as semanas
A GÁS
O que churrasquear: Todos os tipos de carnes. As chamas constantes ajudam a manter a uniformidade. Carnes que precisem de temperaturas amenas vão bem
Limitações: Custam quase sempre mais de R$ 2 mil e não dão muito gosto defumado às carnes
Serve para: Quem quer praticidade e não dá bola para o cheiro de fumaça. É só acender – e pronto
PORTÁTIL COMUM
O que churrasquear: A distância entre as brasas e a carne pode chegar a 40 cm. Peças inteiras de carne, como picanhas ou maminhas, se dão bem aqui
Características: É versátil. Como são pintadas com compressor à tinta, é preciso “queimá-las” antes de usar pela primeira vez
Limitações: É comum que se desgaste e forme furos na estrutura. O tamanho das mais comuns não suporta grande quantidade de carne e normalmente só tem dois níveis de altura para colocar as grelhas e os espetos
Serve para: Quem não quer gastar muito dinheiro em uma churrasqueira, mas ainda assim fazer ótimos churrascos
Ilustrações: Marcos Müller
Agradecimento: Casa da Fazenda do Morumbi (Tel.: 3742-2810)

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