Eduardo Campos acha que presidente precisa arrumar logo o País, se quiser se reeleger sem sustos
Sonia Racy e Gabriel Manzano - O Estado de S. Paulo
Grande
vitorioso das eleições de outubro, o governador pernambucano Eduardo
Campos - aos 47 anos, pai de quatro filhos, neto de um ícone das
esquerdas, Miguel Arraes - vive um momento desafiador. Seu PSB, que ele
preside desde 2005, acaba de eleger 433 prefeitos - mais que todos os
rivais. Seu candidato derrotou o de Lula no Recife - um tradicional
quintal do ex-presidente. Seu nome já é citado como presidenciável para
2014. Seu dilema é como seguir crescendo e, ao mesmo tempo, preservar as
alianças e sua antiga amizade com Lula e com a presidente Dilma
Rousseff. Qual o ponto de equilíbrio?
“Os 90
dias iniciais de 2013 serão decisivos para o governo Dilma”, disse ele à
coluna numa longa conversa em São Paulo, na semana passada. “Se ela
ganhar 2013, 2014 já começa praticamente resolvido, sem sobressaltos”.
Mas ele adverte: a pauta da microeconomia “já está esgotada”. O Estado
“não pode dar um cavalo de pau nas regras”. O consumo “não terá a mesma
importância dos últimos seis anos”. E é preciso conquistar o
empresariado para um projeto de crescimento - coisa que a presidente
Dilma tem de fazer “com atitudes e palavras”.
Como o sr. vê hoje a economia mundial e, nesse contexto, o Brasil?
Estamos
vivendo um ciclo que soma uma crise econômica, uma crise ambiental e
uma crise de valores. Vai durar alguns anos e nela o Brasil tem uma
grande chance de se reposicionar, de maneira mais competitiva. Esse é o
debate que nos anima.
Há
um excesso de liquidez no mundo, que não vem para cá, e dúvidas sobre
os rumos do capitalismo. Há um modelo para sair da crise?
Acho
que não há nada definido. Mas é óbvio que vamos viver um novo ciclo, a
partir de novos valores. O sistema financeiro terá maior regulação. Não
aqui, onde está ajustado. A sustentabilidade esta posta: é fundamental.
Haverá um profundo debate sobre seguridade e saúde. Temos de encontrar
formas de as pessoas precisarem menos de redes de assistência. Esse é um
debate que as lideranças responsáveis vão ter de fazer.
Com mais Estado ou menos Estado?
Com o
Estado necessário. Veja, quando a banca quebrou, em 2008, tivemos mais
Estado... Mas o Estado não pode mudar as regras, não pode haver cavalo
de pau em regras, elas têm de ser cumpridas. Precisamos de um Estado que
funcione, não entregue às elites nem ao corporativismo.
Como
o Estado pode ter papel decisivo se nossa poupança interna continua
baixa? Ela está hoje, dizem, em 19% do PIB. O Peru tem 30%, o Chile
27%...
Temos
de estimular outros mecanismos de financiar a infraestrutura a longo
prazo, estimular as PPPs, concessões onde puder haver concessões,
financiá-las não só através de bancos públicos. Temos de nos tornar uma
aposta para quem tem dinheiro. O Brasil está hoje perdendo esse foco de
investimento externo porque há uma sensação de que existe controle
excessivo do lucro.
O sr. disse recentemente que o País precisa de um novo consenso. O que seria exatamente?
A
formação político-ideológica da presidente todos nós conhecemos. Acho
que ela é uma mulher corajosa, séria, tem espírito público. Mas sabe-se
que, na política e na economia, muitas vezes a versão é mais forte que o
fato. E o fato é que houve uma série de providências. Não há polêmica a
respeito de reduzir juros, reduzir conta de energia, aumentar as
concessões. Outro fato é que a presidente acelerou o conteúdo dessa
pauta em função da própria crise. Em 2011 houve, a meu ver, um freio
maior do que o que deveria ter sido dado, por temor do processo
inflacionário. E há também o fato de a crise ter sido enfrentada a um só
tempo e com menos diálogo, menos discussão do que deveria, talvez pela
pressa, pela quantidade de assuntos ou por falta de iniciativa do
governo e falta de iniciativa dos empresários. A versão que começa a
cravar neste final de ano é mais dura que o fato, como se não houvesse
segurança para investir. É algo que a gente precisa rapidamente
esclarecer.
Como a presidente Dilma faria esse esclarecimento?
Com
atitudes e palavras. Tem marcos que se quer melhorar, como o dos portos,
que vai mudar mas não a regra para quem já tem contrato.
Como vê a economia nos próximos dois anos? O Ministério da Fazenda tem formulador para tempos de crise?
Para
quem tem mandato construído em 2010, é o biênio das entregas. Os dois
primeiros anos são de montagem da equipe, de plantar os programas. Os
dois finais são de cobrança, mais duros. Acho que a Fazenda repetiu uma
série de medidas que há mais de 20 anos vêm sendo tomadas sempre que há
baixo crescimento e agora se percebeu que outras medidas são necessárias
para um crescimento que vá, em 2013, acima dos 3%. As previsões de
receita que a Fazenda faz para municípios e Estados estão inteiramente
fora do repasse dos tributos da União. Começaram o ano dizendo que era
14% e vai terminar com menos 2%. É óbvio que uma previsão como essa
deixa os parceiros em sobressalto.
O
governo FHC estabilizou, o governo Lula distribuiu renda. De Dilma
esperava-se o crescimento. Seria necessária alguma medida diferente,
como uma “URV do crescimento”, e não a repetição de antigas medidas?
A
pauta negligenciada da microeconomia já está esgotada. O consumo teve um
papel importante, mas não terá mais a expressão dos últimos seis anos.
Precisa aumentar a competitividade com educação, com inovação, com
infraestrutura. É hora de uma grave e importante aposta no crescimento, e
para fazer isso é preciso, de um lado, garantir as regras para a
iniciativa privada. Estamos falando de setores essenciais para formação
bruta de capital do País, petróleo, comunicação, energia,
telecomunicações, portos, aeroportos. É uma tarefa de todos nós, e não
podemos alimentar sobressaltos sobre isso. De outro lado, temos de
garantir que a poupança externa possa alavancar esses investimentos. A
gente tem de encontrar mecanismos que outras nações encontraram. Veja os
números: os Estados são hoje os primeiros investidores, os municípios
os segundos e a União o terceiro. De um lado precisa capacitar a máquina
publica, para que seja dirigida por quem tenha tanta qualidade quanto
há nos órgãos de controle. Temos de preparar, mas também desconcentrar.
Se temos de ganhar em 2013 e 2014, precisamos descentralizar os recursos
dos investimentos.
Então o sr. concorda com as queixas e o movimento de protesto dos outros governadores.
É
claro. Antes mesmo de uma reforma de tributos, as pactuações já
existentes entre União, Estados e municípios precisam ocorrer de forma
mais acelerada. Tem de ter ferramentas inovadoras, coisas mais
inteligentes para que o investimento aconteça. Será que não precisamos,
agora, de uma desoneração linear na carga tributária brasileira, para
que todos pudessem ser impactados?
Seu
avô paterno, Fernando Campos, era um usineiro conservador e o materno,
Miguel Arraes, um socialista. Como isso se juntou em sua visão do
mundo?
Na
moderação. Tive relação próxima com os dois, eram pessoas diferentes que
no final passaram a se conhecer e a se respeitar, conviver. Convivi com
posições opostas e respeitá-las me fez valorizar o pensamento dos
outros. Aprendi com os dois.
E se tornou um moderador.
Admirava
os dois no que eu podia admirar. Um que lutou para fazer seu
patrimônio, dar conta de suas responsabilidades, com uma visão política
que não era a minha. E o outro com cujo pensamento eu tinha completa
sinergia, o sonho de consertar um bocado de coisa errada que tem no
mundo.
O
sr. acaba de desbancar o lulismo na terra de Lula, lançou um candidato
novo e venceu. Criou-se agora uma nova paisagem política em Pernambuco,
em que o PT perde a liderança?
A
leitura da eleição é que o PSB teve um crescimento acima até do que a
gente esperava. Esse crescimento vem ocorrendo em eleições repetidas.
Fizemos um planejamento estratégico para crescer não só no Norte e
Nordeste, mas em todo o Brasil. Crescer em grandes cidades para animar o
ingresso na política de novos quadros.
Confrontar o PT foi uma decisão pensada? Até onde o PSB quer chegar?
No
Recife, como em Fortaleza, o pensamento inicial não era ter candidato,
tínhamos uma aliança já de 12 anos no Recife, mas o PT sofreu desgaste
de uma disputa interminável. Não se trata de desbancar o Lula, de forma
alguma. As pessoas queriam paz, trabalho e resultado. Perceberam que
nosso candidato falava de maneira adequada, tinha experiência e tinha
nosso apoio. Acho que ele vai surpreender positivamente, vai criar um
novo paradigma de como deve ser um prefeito.
O presidencialismo de coalizão, obrigando a tantos acordos para obter votos no Congresso, não atrapalha os projetos do governo?
Já fui
do Congresso e do governo, estive nos dois lados. Acho que onde há
democracia tem de haver dialogo. O problema do Brasil não é esse, é a
agenda econômica e a social. A gente, é claro, tem de fazer a reforma
política, a possível, e com tempo. É necessário fazer eleição no mesmo
ano, por exemplo. Isso obrigará os políticos com cabeça municipal a
ficar nos municípios, os estaduais nos Estados e os que pensam
nacionalmente em Brasília. As eleições descasadas super-eleitoralizam o
debate político. A eleição a cada dois anos interrompe convênios e
programas por todo lado. Não há longo prazo.
Quais os próximos passos do PSB, depois das vitórias de outubro?
O
cenário de 2014 vai depender muito do que acontecer em 2013. Acho que
nossa tarefa, enquanto base de sustentação da presidente Dilma, é
ajudá-la a ganhar o ano de 2013, o que será bom para o Brasil e para
ela. Se ela ganha 2013, 2014 já começa praticamente resolvido. É isso, o
desenho de 2014 tem relação direta com o que ocorrer no ano que vem. Aí
a reeleição será de um governo aprovado, coisa quase natural, sem
sobressalto.
E se ela não ganhar 2013? Se em dezembro próximo estiver como agora, por exemplo?
Não
vamos jogar a toalha, o ano sequer começou. É preciso “ir pra cima”,
nossa parte é ajudar e a do governo é dizer como nós podemos ajudar.
Poderemos dar ideias?Isso exige um bom diálogo. E o de agora, como o sr.
assinalou, não é o ideal. A gente tem de ter objetividade. Os 90 dias
iniciais do ano que vem serão decisivos para 2014. É preciso desfazer
essa impressão sobre as mexidas feitas, mostrar que o sentimento do
governo não é intervencionista. Se não deixar isso claro, essa impressão
de agora vai atrapalhar 2013. Nós podemos ajudar, mas quem pode zerar
isso é exatamente o governo, é a presidente.
Os
programas sociais melhoram a vida dos desassistidos mas o drama da
economia hoje é a falta de mão de obra qualificada. Como resolver esse
desafio?
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