MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quinta-feira, 14 de março de 2013

'As desonerações só vão empurrar para a frente o problema'


Economista vê inflação pressionada e defende elevação moderada do juro básico para conter a aceleração dos preços


LEANDRO MODÉ - O Estado de S.Paulo
Durante dois anos, o economista e professor da USP Márcio Nakane coordenou a equipe responsável pela elaboração de um dos mais importantes índices de inflação do País: o IPC-Fipe. Com base nessa experiência, ele avalia que o governo Dilma Rousseff está tratando a aceleração da inflação dos últimos meses com o remédio errado - por exemplo, a desoneração da cesta básica, anunciada na sexta-feira pela própria presidente.
Para ele, há dois riscos nessa estratégia. O principal deles é o Banco Central (BC) ser obrigado a elevar mais fortemente a taxa básica de juros (Selic) lá na frente para combater a alta dos preços e levar a inflação de volta para o centro da meta (4,5% ao ano). A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado:
Qual o efeito das desonerações definidas pelo governo na inflação no curto e no longo prazo?
Esse tipo de medida só tem efeito no curto prazo. No jargão da economia, chamamos de 'once and for all', ou seja, o efeito só ocorre uma vez. Se essas reduções de impostos forem de fato repassadas para o consumidor, o preço vai baixar e ficará nesse nível. Isso quer dizer que a inflação de março relativa a fevereiro ou de abril relativa a março vai cair bastante, mas, a partir daí, não há mais efeito algum.
A inflação preocupa o sr.?
Sim. Com o número de fevereiro, a inflação oficial atingiu 6,31% em 12 meses. Com isso, nos aproximamos perigosamente do teto da meta de 6,5%. Não é por acaso, aliás, que o governo soltou agora a medida de desoneração da cesta básica. É para tentar obter um ganho temporário de curto prazo. O fato é que não estamos em um nível confortável de inflação.
O que deveria ser feito para a inflação convergir para a meta de 4,5%?
O remédio número 1 é elevar a taxa básica de juros. Que fique claro: é o que o governo deveria fazer no mundo ideal, de acordo com as recomendações da teoria econômica. Mas no Brasil, hoje, estamos um pouco distantes desse mundo em razão das escolhas do governo para conduzir a política econômica.
O que o sr. acha que o governo e o Banco Central vão fazer?
Como a presidente Dilma colocou essa questão da queda dos juros quase como uma bandeira política de governo, a política monetária não é mais algo puramente da alçada do Banco Central. Dada essa restrição, acho que o que vai ocorrer neste ano, e talvez nos primeiros meses de 2014, são medidas como essas. Ou seja, desonerações pontuais, que deem um ganho aqui e outro acolá. Por isso, é muito provável que a inflação deste ano seja menor que a do ano passado sem que o governo necessariamente mexa na taxa básica de juros. Mas repito: são medidas que só vão empurrar para a frente o problema.
O BC, então, não vai elevar o juro, como grande parte do mercado acredita hoje?
Neste ano, em razão disso tudo que mencionei, não espero um aumento da taxa Selic.
Muitos no governo dizem que a alta da inflação decorre da aceleração dos preços de alimentos. Ainda segundo esse argumento, o juro básico não influencia esses preços. O sr. concorda?
De fato, a alta da inflação que observamos nos últimos meses foi bastante influenciada pelos alimentos. Mas, de outro lado, temos uma inflação de serviços que vem elevada há bastante tempo. No IPCA, por exemplo, a inflação de serviços fechou os 12 meses encerrados em fevereiro em 8,58%. É um nível bem elevado.
Governantes estão sempre preocupados com a próxima eleição. Pensando dessa forma, não seria este o momento ideal para o governo elevar o juro para conter a inflação, sob pena de ter de fazê-lo às vésperas do pleito do ano que vem?
Sim. Se pensarmos com o calendário político, este é o ano para soltar o pacote de maldades. Mas, de outro lado, não temos um histórico de que o BC aja conforme o calendário eleitoral. O que temos observado é uma razoável independência.
Alguns integrantes do governo e mesmo analistas têm dito que elevar o juro agora contribuiria para enfraquecer ainda mais a atividade econômica, que já não anda bem. O que o sr. pensa?
Esse é 'o' desafio de condução de política econômica do Brasil no momento. De um lado, a inflação está em um nível super desconfortável. De outro, a recuperação da atividade econômica se mostra tímida. É um dilema importante. Se eu estivesse no governo, privilegiaria o combate à inflação. Temos um passado muito ruim de experiência com inflação. Com inflação não se brinca. Mas também reconheço que, nesta situação, não é o caso de trazer a inflação de volta para o centro da meta, porque seria necessário promover uma alta da taxa de juros que colocaria a economia no chão. Talvez um ajuste pequeno da taxa, como um ponto porcentual (de 7,25% para 8,25% ao ano), enviaria um sinal para os agentes de que o governo está preocupado com a inflação. Um pequeno ajuste não colocaria a economia no chão e mostraria preocupação com a evolução da inflação. Seria uma sinalização com atos, não palavras, como temos visto.
As ações do governo Dilma para conter a inflação têm alguma semelhança com medidas adotadas por governos anteriores?
Me lembram de um passado em que eu nem era economista. Lembro-me da época em que se tentava controlar os preços na marra, na força bruta. Havia tabelas que previam reajustes máximos de preço, por exemplo. Por que me lembro disso? Porque prevalece a mesma ideia de tentar influenciar a inflação agindo diretamente sobre os agentes que formam os preços. Além disso, adota-se um tom de ameaça. Se você não fizer isso, eu reverto as medidas.
Qual o risco dessas ações do governo?
Há dois problemas importantes. Um deles na dimensão microeconômica. Ninguém no País é contrário a uma estrutura tributária mais eficiente e justa. O problema é que, quando ações de desoneração têm fundamentalmente a ideia de obter ganhos inflacionários, há danos na estrutura tributária. Ou seja, criam-se distorções de caráter microeconômico. O segundo grande risco é macroeconômico: não se resolve o problema da inflação, mas se empurra para a frente um ajuste que terá de ser feito por meio de elevações do juro. Quando o BC tiver de ajustar os juros, terá de fazê-lo num nível mais alto. Ou seja, pode ser obrigado a desacelerar fortemente a economia.

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