Pobre Venezuela!
Dá para
saber quando um destino cruel aguarda um povo. Destino? Trata-se, na
verdade, de uma construção. Desgraçadamente, a resposta que o país
encontrou para uma elite dirigente que entrou em falência foi o
chavismo, um misto de banditismo político com delírio ideológico retrô. É
evidente que sérias turbulências virão pela frente porque o modo de
governo inventado por Hugo Chávez, que morreu nesta terça, só funcionava
com o carisma do caudilho. Agora morto, os gângsteres que o cercavam
iniciarão a luta intestina pelo poder — ainda que a imagem do mártir
garanta ao menos mais uma eleição para a turma. A questão é que, em
breve, mais de um poderá dar murro na mesa.
É patético! É melancólico! É triste!
Imaginem
quão sem saída está um regime obrigado a inventar uma conspiração, que
estaria na origem da doença que matou o líder. Nicolás Maduro sugere, em
sua fala, que o câncer do comandante foi obra dos EUA. Ninguém sabe ao
certo o mal que acometeu o ditador. Uma coisa é evidente: Cuba não era o
melhor lugar para ele se tratar. É aí que se percebe que o bandido
farsante obrigou-se a ser, ao menos, verossimilhante.
Entendam o
que estou querendo dizer: neste particular ao menos, Chávez foi mais
burro e mais fiel ao credo que proclamava do que Lula, por exemplo — que
fez muito bem, claro!, em se tratar no Sírio-Libanês. O Apedeuta é
infinitamente mais inteligente do que era o bandoleiro de Caracas e faz
da incoerência uma arma política. Ele não foi se tratar via SUS — que,
segundo chegou a dizer, estava “perto da perfeição”. Escolheu um
hospital de ponta e proclamou: todos deveriam ter direito àquele
tratamento especializado.
Pouco
importa o tipo de câncer de Chávez, suas chances teriam sido
evidentemente maiores no Brasil, nos EUA e em alguns países europeus.
Mas isso, para a sua mística, seria entendido como uma espécie de
rendição. Médicos brasileiros e um grande hospital chegaram a ser
sondados. O ditador queria, no entanto, a garantia de que poderia ter
aqui a cortina de silêncio que lhe foi assegurada em Cuba. Ao saber que
não seria possível porque a democracia brasileira não permite,
restava-lhe escolher, deixem-me ver, entre Cuba e a Coreia do Norte…
Boa parte
de seu padecimento, que certamente não foi pequeno, se deve ao fato de
que resolveu levar adiante a sua farsa. Não aprendeu as artes de Lula,
que jamais é refém da própria palavra. Muito pelo contrário: a cada vez
que ele joga no lixo o que disse antes para afirmar o contrário,
proclama a própria inteligência, a própria esperteza.
Em lugar de Chávez, o Apedeuta se trataria, como se tratou, num hospital de ponta e ainda diria:
“Eles (*) acham que um metalúrgico não pode ter hospital de rico. Mas eu quer dizer que, nestepaiz,
um dia, todo mundo vai se tratar no Sírio-Libanês. E vai ser tudo pelo
SUS. Eu acho de que (!) as elites brasileiras precisam aprender que o
trabalhador tem direito também a essas máquinas caras…. “
E todos
aplaudiriam. A Marilena Chaui mesmo ficaria extasiada: “Olhem! Parece a
deusa Métis falando; quando Lula fala, o mundo se ilumina!”. O nosso
Apedeuta tem um lado macunaímico. Se lhe derem folga, “brinca” (este
verbo terá sentido pleno para quem leu o livro) até durante o
expediente. Mas não se deve toma-lo por tolo. Sabe ser calculista e
autoritário se preciso, e o país, institucionalmente, regrediu muito sob
o seu comando e/ou orientação.
Lula não
traz consigo aquela mística da “sangre” da América espanhola, do
“resistiremos até o último homem”. Enquanto permitirem que ele avance,
ele vai — se ninguém reclamar, chega à ditadura. Se a coisa começar, no
entanto, a se complicar demais, ele dá um jeito de chupar balas
Juquinha… A fidelidade à própria farsa obrigou Chávez a experimentar o
fel.
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