MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

segunda-feira, 6 de maio de 2013

A criação do Bolsa Droga

Ex-presidente da Colômbia, um fanático da descriminação e um dos heróis da “turma”, defende a criação do Bolsa Droga. E eu não estou brincando. Ou: As espetaculares bobagens de César Gaviria

O ex-presidente da Colômbia César Gaviria concede hoje uma entrevista a Fabiano Mainonnave, da Folha, em que vai muito além da defesa da descriminação das drogas. Isso já é café pequeno para a turma. Ele quer também, atenção!!!, que o estado forneça as drogas aos dependentes — em pequenas quantidades, é claro! Gaviria integra, em companhia de FHC e de Ernesto Zedilho, ex-presidente do México, a Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, que tanto desserviço tem prestado ao debate, produzindo mistificação em penca, como algumas repetidas na entrevista. Ele está descontente com a política antidrogas do Brasil.
Na introdução da entrevista, para demonstrar que Gaviria é voz autorizada, escreve o repórter: “Gaviria, 66, fala de cátedra. Seu governo (1990-1994) enfrentou os cartéis de Cali e Medellín. Em seu mandato, o narcotraficante Pablo Escobar foi morto”. Com todo o respeito, “de cátedra” uma ova! Escobar foi morto, com efeito, em seu governo depois de Gaviria ter permitido que o narcotraficante construísse a própria cadeia, onde ele, Escobar, mandava. Era, na verdade, o seu reino. Dali, comandava os negócios sem ser importunado. Seus homens é que faziam a sua segurança. Quando desconfiou que poderia ser transferido, fugiu e acabou morto.
Gaviria, que governou a Colômbia entre 1990 e 1994, empreendeu negociações políticas com as Farc — o que foi obviamente um erro. A narcoguerrilha não fez senão se expandir. Chegou a ter 20 mil homens. Assim, ele é catedrático, isto sim, no insucesso no combate ao narcotráfico. Agora, algumas opiniões do homem em vermelho. Comento em azul.
Folha – Pesquisa recente do Datafolha revela que o envolvimento de um jovem da família com drogas é o principal temor entre os moradores de São Paulo, com 45% do total. Isso o surpreende?
César Gaviria - Não me surpreende. Esses números são consequência de uma política que todos os latino-americanos e os EUA já observam por várias décadas, e o que temos para mostrar são apenas fracassos. O Brasil tem de olhar as experiências europeias de menor dano e começar a tratar como problema de saúde, e não como um tema criminoso. E tentar desmontar o imenso tamanho desse negócio, que o transforma em um problema de segurança tão grave. Ainda que seja fácil pensar numa solução autoritária, isso não resolve. Basta ver o que está acontecendo nos EUA, onde as pessoas estão votando em massa pela legalização da maconha.
Ah, sempre que os EUA são usados como bichos-papões, meu lado imperialista se assanha! Tenham paciência! Esse é o presidente que quebrou espetacularmente a cara tentando negociar com as Farc. Esse é o presidente que permitiu que Pablo Escobar construísse seu próprio presídio. Gaviria falta com a verdade ao afirmar que as pessoas “estão votando em massa pela legalização da maconha” nos EUA. Os estados de Colorado (54% a 46%) e Washington (55% a 45%) aprovaram no ano passado o consumo recreativo da droga. O Oregon recusou (55% a 45%). Arkansas disse “não” mesmo ao uso medicinal, que foi aprovado em Massachusetts. Atenção! Na Califórnia e em mais 15 unidades da federação, apenas esse uso medicinal é permitido. Há 50 estados nos EUA! Ele tem uma noção muito particular da expressão “em massa”
Mas no Brasil o problema crescente tem sido o crack. Não há diferença na hora de lidar com um droga muito barata e mais viciante?
O que o Brasil tem de fazer é olhar Portugal, onde podemos observar o que há de melhor no mundo para enfrentar esse problema. Portugal decidiu, anos atrás, tratar isso como um problema de saúde pública. Qualquer consumidor pode chegar a um hospital e receber atenção, tratamento, prevenção. E tem sido uma política bem-sucedida, que tem reduzido a violência, a corrupção e que permite ao Estado enfrentar problemas de vício como o do crack. O que o Brasil faz, em contrariedade com toda a América Latina, Europa e Estados Unidos, é começar o caminho de criminalizar mais o consumo ou de pensar que enfiar mais pessoas na prisão vai resolver os problemas. Obviamente, é preciso combater os cartéis. Mas é possível apoiar os consumidores no sistema de saúde.
Pela ordem: consumo de droga já não leva ninguém para a cadeia no Brasil. O SUS não recusa pacientes viciados. Só não está aparelhado ainda para esse tratamento específico — imaginem se houver a legalização… O exemplo de Portugal é estúpido. O país é minúsculo, tem 10 milhões de habitantes e faz fronteira com o mar e com a Espanha. O Brasil é um gigante territorial, com 200 milhões de habitantes, tem uma costa imensa e faz fronteira com nove países — quatro deles ativos produtores de drogas, incluindo a… Colômbia de César Gaviria, aquele país das Farc, com quem ele tentou um acordo. Prestem, agora, atenção a isto.
A internação compulsória é uma solução?
É uma política que se presta a todo tipo de abuso de direitos humanos. A China está abandonando por causa de enorme quantidade de abusos. Por que não olhar Portugal, onde não passou pela cabeça o tratamento compulsório? É preciso apoiar as pessoas a partir do sistema de saúde, para que não tenham medo de ir a hospitais. O tratamento compulsório é uma má ideia e quem olhar a experiência internacional concluirá que os resultados são ruins.
Mesmo com relação ao crack?
O principal problema no crack, e se viu há pouco nos EUA, onde a diretriz está sendo retificada, é que termina sendo uma política terrivelmente discriminatória contra afro-americanos e pobres. Ser mais duro com o crack do que com as outras drogas só serve para enormes discriminações e para que pobres e negros acabem nos presídios.
O preconceito, especialmente o racismo, está virando o único e último argumento de quem não tem argumentos. A Comissão Latino-Americana Sobre Droga e Democracia — bem como a brasileira — não tem resposta para o crack. Como sabe qualquer especialista, o viciado nessa droga não responde a tratamento voluntário. O que fazer? Gaviria não sabe o que fazer. Então ele resolve discutir… racismo!
O Brasil voltou a discutir a redução da maioridade penal. Qual é a sua posição?
Essas decisões não servem para nada. A única coisa que funciona são políticas integrais. Temos experiência na Colômbia. Medellín chegou a ter 300 mortes por 100 mil habitantes. Isso é mais do que qualquer guerra civil, é dez vezes a taxa do Brasil. Saímos por meio de trabalho social, tratamento integral. As empresas da cidade criaram fundações para levar educação e saúde aos meninos. É possível transformar um assassino de 14 anos num bom cidadão se a sociedade se mobiliza para fazê-lo. Esses problemas não mudam com leis, mudam quando a sociedade decide resolver. É o que as pessoas do Rio e de São Paulo têm de fazer. Se todas as empresas se dedicarem, verão como esses meninos sairão da violência. Dói em mim ver o que está ocorrendo no Brasil, pensando em soluções tão contraindicadas e alheias ao que está acontecendo no mundo.
A taxa de homicídios de Cali, hoje, ainda é da ordem 80 por 100 mil habitantes, o que corresponde a mais de sete vezes a de São Paulo — onde, de fato, se assistiu a uma redução de mortes de mais 70% em 12 anos. Gaviria acha que é possível transformar um assassino de 14 anos num bom cidadão… Pode ser. A questão é saber como responder à família da pessoa que ele matou, como convencer outros de que matar é um mau negócio (se houver só um curso de cidadania pela frente, a coisa poderá se complicar) e como oferecer segurança às pessoas que não são obrigadas a pagar por essa conversão com a própria pele.

O sr. defende a administração de doses pequenas de droga. Como funcionaria? Dou um exemplo. Na Suíça, há muitos anos, se fez um grande esforço para que as pessoas deixassem a heroína. No entanto, para os viciados que não foram capazes de abandoná-la, se a pessoa tem uma vida produtiva, o Estado fornece a morfina, e ela vai trabalhar todos os dias. A sociedade tem de ser prática. Esses programas não podem ser administrados com moralismo e preconceito. É melhor que o Estado forneça as drogas aos viciados que não se recuperam e não respondem ao tratamento do que ter meninos assaltando pelas ruas do Rio e de São Paulo para conseguir dinheiro e assim comprar drogas. Fazer o quê? Um sujeito que esposa essa tese e usa a Suíça como exemplo mereceria chicote — caso houvesse um chicote para ideias, claro!

Por que o sr. prefere falar em regular em vez de legalizar? Legalizar é uma palavra que expressa cansaço, um rechaço à política. Mas o que precisamos fazer é regular, porque obviamente só se vai permitir o acesso às drogas a pessoas de certa idade, em certas condições, com os controles necessários. A regulação é algo que chegará aos EUA em breve, enquanto o Brasil começa o caminho contrário, ao insistir numa política fracassada. Ah, bom! Então primeiro se libera e depois se negocia com os russos, não é? Dá para entender por que Gaviria fracassou espetacularmente na negociação com as Farc e permitiu o fortalecimento da guerrilha. Vamos pensar nesse estado ideal dele, com “regulação” das drogas e acesso controlado. Um pouco de lógica elementar: se o narcotráfico fura o bloqueio do estado “repressor”, por que não conseguiria furar o do estado que ele chama “regulador”?

Leiam lá o resto da entrevista. É de espantar! Fiz, no entanto, uma consulta nos mecanismos de busca. Está no site da Folha há umas poucas horas e já foi espetacularmente replicada. O lobby das pessoas favoráveis à descriminação das drogas é um dos mais eficientes do mundo e do Brasil. É a “minoria” mais organizada do país — e também a mais endinheirada.
Por Reinaldo Azevedo

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