MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 31 de maio de 2013

'Escândalo' da comida congelada ameaça reputação de restaurantes franceses


Quase um terço de estabelecimentos no país esquentam comida industrializada, diz sindicato; deputados querem lei que regulamente qualificação de 'restaurante'.

Da BBC

'Escândalo' da comida congelada ameaça reputação de restaurantes franceses (Foto: BBC)'Escândalo' da comida congelada ameaça
reputação de restaurantes franceses (Foto: BBC)
A reputação da cozinha francesa está em jogo. Pelo menos é o que afirmam chefs e políticos após uma recente revelação que pegou muita gente de surpresa, principalmente os turistas: a comida servida em vários restaurantes de Paris e outras cidades vem de pratos industrializados esquentados no fogão ou mesmo em micro-ondas.
Em se tratando do único país do mundo a ter sua gastronomia classificada como patrimônio mundial da Unesco, seria de se supor que a informação tivesse o impacto de uma bomba.
Mas ela já circula há tempos entre os profissionais do setor, como críticos de gastronomia, donos de restaurantes e chefs que defendem uma cozinha de qualidade e artesanal e que utilize ingredientes frescos.
Muitos temem e têm alertado nos jornais que a prática de servir pratos prontos industrializados, vista praticamente como uma fraude ao consumidor, possa ter um forte impacto negativo na imagem da gastronomia francesa no mundo.
Câmera escondida
O problema também vem sendo abordado em programas na televisão.
Uma reportagem do programa 90' Enquêtes (90 minutos de investigações), do canal de TV TMC, apresentada nesta semana e realizada com câmeras escondidas em restaurantes de diferentes bairros de Paris, revelou que alguns deles servem pratos prontos industrializados, mas escrevem no cardápio que a receita é 'da casa'.
Sem saber que estavam sendo filmados, garçons de restaurantes em áreas extremamente turísticas, como Montmartre, admitiram que os pratos eram industrializados.
Eles também menosprezaram a clientela estrangeira, dizendo que esta 'não entende nada de comida' e que está 'só de passagem e não vai voltar ali de novo', sugerindo que o restaurante não precisava se preocupar com a qualidade da comida.
Um dos garçons chegou a apontar um grupo de turistas japoneses à mesa ao falar com desdém sobre os conhecimentos culinários dos fregueses.
A reportagem do programa, que ainda ouviu especialistas e críticos gastronômicos, chegou a vasculhar latas de lixo de restaurantes visitados e encontrou várias caixas de pratos industrializados.
Ducasse, Robuchon & Bocuse
Grandes nomes da gastronomia francesa, como os chefs Alain Ducasse, Joël Robuchon e Paul Bocuse, fizeram coro se dizendo preocupados com a imagem negativa que esses 'restaurantes' - que apenas esquentam pratos prontos - podem dar à cozinha francesa.
O Colégio Culinário da França, presidido por Ducasse, lançou em abril o selo de 'receita da casa' para distinguir restaurantes 'de qualidade' - com transparência em relação à origem dos produtos e ao modo de preparo dos pratos no local - dos demais que utilizam produtos industrializados.
'É preciso ter um chef na cozinha e não alguém que esquente um saco de comida congelada', diz Ducasse.
'Dos 150 mil restaurantes franceses, três quartos só utilizam produtos industriais (que podem ser carnes ou legumes congelados, por exemplo, mas não ainda necessariamente prontos). Os outros lutam para cozinhar ingredientes frescos. É a esses que nos dirigimos com a iniciativa do selo', diz o chef.
'Hoje, o mortal comum não sabe o que ele vai encontrar quando passa a porta de um restaurante', afirma Ducasse, chef com três estrelas (nota máxima) no famoso guia Michelin.
Projeto de lei
O assunto também chegou ao Parlamento francês. Os deputados deverão discutir neste mês um projeto de lei que visa regulamentar o direito de utilização da palavra 'restaurante'.
O objetivo é limitar a atribuição do nome 'restaurante' somente aos estabelecimentos que efetivamente cozinham pratos no local, realizados com ingredientes que necessitam de preparo (descascar, cortar ou assar os alimentos) antes de serem servidos ao cliente.
'É inaceitável que estabelecimentos que apenas esquentam pratos sejam chamados de restaurantes. É uma maneira de enganar o consumidor', afirma em seu blog o deputado Daniel Fasquelle, autor da iniciativa que visa regulamentar o setor, apoiada por um grupo de 40 deputados de diferentes partidos.
'Trata-se também de defender o patrimônio francês e de acabar com uma concorrência desleal, além de criar empregos no setor', diz Fasquelle.
Muitos também realçaram o ângulo da saúde nessa discussão. Os pratos prontos têm conservantes e aditivos químicos como a maioria dos alimentos industrializados, alertam os que defendem o maior controle do setor.
31%
Didier Chenet, presidente do Synhorcat - sindicato que reúne profissionais do setor de restaurantes, cafés e hotéis - afirmou em uma coletiva de imprensa nesta semana que 31% dos restaurantes franceses utilizariam pratos prontos industrializados, que chegam ao restaurante congelados ou em embalagens à vácuo.
Segundo Chenet, o dado vem de uma enquete feita pelo sindicato entre seus membros donos de restaurantes.
O debate também trouxe à tona detalhes sobre o lucrativo negócio com os pratos prontos preparados especialmente para os restaurantes.
Os fabricantes possuem catálogos com uma grande variedade de receitas, inclusive tradicionais, como pato com laranja ou 'boeuf bourguignon' (carne de boi cozida com vinho tinto da Borgonha).
Os pratos industriais se mostram extremamente rentáveis para os restaurantes. Uma caixa com seis porções individuais pode custar apenas 3 ou 4 euros. Cada cliente paga pelo menos 15 euros pela porção.
Além disso, não é preciso uma grande equipe na cozinha nem pessoal qualificado se o trabalho for apenas o de esquentar comida.
Dica
Uma boa dica para os turistas é apostar nos restaurantes com cardápios limitados, com poucas entradas e apenas três ou quatro pratos, que mudam regularmente, e que também destacam em seus cardápios e cartazes no local o fato de realizar preparações artesanais.
Um cardápio com pouquíssimos pratos é interpretado por especialistas como um sinal de qualidade, que indica maior probabilidade de utilização de ingredientes frescos, comprados diariamente.
E o zelo pela qualidade tem um preço. Segundo o sindicato Synhorcat, se a lei dos restaurantes for aprovada, os restaurantes franceses ficarão mais caros.

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