Ditador de 87 anos cumpria sentença de prisão perpétua – acrescida de 50 anos – pela morte, tortura e desaparecimento de civis, além do roubo de bebês filhos de prisioneiras políticas; até o fim, militar defendeu as ações da ‘guerra suja’
Ariel Palacios, correspondente / Buenos Aires - O Estado de S. Paulo
AP
Presidente de facto de 1976 até 1981, foi o militar que mais tempo passou no poder
O
ditador Jorge Rafael Videla - autor de sequestros, torturas e
assassinatos de milhares de pessoas na Argentina durante o regime
militar (1976-1983) - morreu ontem, de causas naturais, em sua cela da
prisão de Marcos Paz. Videla tinha sido condenado em 2010 à prisão
perpétua pelo assassinato de civis.
No
ano passado, acumulou uma pena de 50 anos pelo roubo de 35 bebês,
filhos de desaparecidas políticas. Na ocasião, em declarações nos
tribunais, admitiu pela primeira vez a morte dos desaparecidos e deixou
claro que não se arrependia disso.
O
ditador - que comandou o país nos primeiros cinco dos sete anos de
ditadura militar - não receberá nenhum tipo de honra militar durante o
funeral. Desde 2009, está em vigência uma resolução que proíbe honras
militares no sepultamento de ex-integrantes das juntas militares. Ele já
tinha sido destituído da patente.
A
líder da organização Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto,
declarou ontem que Videla era "um ser desprezível que deixou este
mundo".
Videla
nasceu em 1925 na cidade de Mercedes, Província de Buenos Aires. Filho
de um coronel do Exército, seguiu a carreira do pai. Em agosto de 1975, a
então presidente, Isabelita Perón, o promoveu a comandante do Exército.
Poucos meses depois, em 24 de março de 1976, Videla liderou o golpe que
a derrubaria. O general foi presidente de facto da Argentina até março
de 1981 e comandou o período mais sangrento da ditadura.
Videla
diferenciou-se dos outros líderes de regimes militares da América
Latina pela aplicação de um plano de apropriação sistemática de bebês.
Filhos de prisioneiras políticas nasciam no cativeiro de suas mães, nos
centros clandestinos de detenção e tortura. Após os partos, eram
entregues a famílias de militares e policiais estéreis. Na sequência, as
mães biológicas eram assassinadas.
A
ditadura roubou 500 bebês. Deste total, as Avós da Praça de Maio
conseguiram nos últimos 35 anos devolver a identidade a 108 jovens que
eram recém-nascidos na época da ditadura.
O
regime de Videla também implementou um sistema inédito de eliminação
dos prisioneiros, os "voos da morte". Sua ditadura teve o saldo de 30
mil civis sequestrados, torturados e mortos, além de 300 mil exilados.
No
julgamento de 2010, Videla fez uma prolongada defesa das ações do
regime e alegou a "necessária crueldade" da ditadura. O ditador também
sugeriu que a "sociedade argentina" havia sido cúmplice da ditadura, já
que, segundo ele, "não havia vozes contrárias" ao regime. Videla também
disse que sua sentença seria "injusta" e ele era um "bode expiatório".
María
Seoane, que com Vicente Muleiro escreveu O Ditador, uma detalhada
biografia não autorizada, afirmou ao Estado que "Videla não se arrepende
de nada, pois voltaria a matar todos aqueles que matou". "Não há nada
de arrependimento nele. É o mal em estado puro."
Segundo
Seoane, "Videla reunia-se com o chefe de inteligência antes de ir à
missa de manhã". "Nessas reuniões informava-se sobre quantos inimigos o
regime assassinara no dia anterior e como estavam funcionando os 500
campos de concentração da ditadura."
Os ditadores
Jorge Videla (morto) - Presidente
de facto de 1976, quando derrubou Isabelita Perón, até 1981. Foi o
militar que mais tempo passou no poder. Morreu aos 87, na prisão.
Roberto Viola (morto) - Chefiou
a junta militar de março a dezembro de 1981, até ser derrubado por um
complô. Perdoado no governo de Carlos Menem, deixou a prisão e morreu em
1994, aos 69 anos.
Leopoldo Galtieri (morto) - Governou
de dezembro de 1981 a junho de 1982. Foi Galtieri quem lançou o ataque
às Malvinas, que antecipou o colapso do regime. O ditador morreu em
prisão domiciliar aos 76 anos, em 2006.
Reynaldo Bignone (vivo) - Assumiu
o poder em julho de 1982 para tentar conduzir a transição até dezembro
do ano seguinte. Aos 85 anos, cumpre pena de prisão perpétua.
A era Videla
Golpe militar - Videla
era chefe do Estado-Maior das Forças Armadas em março de 1976 e
declarava total fidelidade à presidente argentina Isabelita Perón.
Aproveitou-se da proximidade para liderar o golpe de Estado contra ela.
Voos da morte - Durante
o período de Videla na liderança da junta militar, a ditadura argentina
instituiu os “voos da morte”, nos quais prisioneiros eram lançados
vivos de aviões militares no Rio da Prata ou no Oceano Atlântico.
Torturas - A
ditadura argentina, sob o comando de Videla, sofisticou a crueldade dos
interrogatórios sob tortura. Além dos choques elétricos, asfixias e
afogamentos, as técnicas de castigos sexuais tornaram-se comuns.
Fracasso administrativo - Durante
o período de Videla a economia argentina praticamente se desintegrou. A
dívida externa cresceu de US$ 8 bilhões para US$ 45 bilhões, o déficit
interno era de 15% do PIB e teve início a persistente hiperinflação.
Ações criminais - Videla
foi sentenciado à prisão perpétua em 2010 pela morte de 31 prisioneiros
logo após o golpe de 1976. Em 2012, pegou mais de 50 anos após o
julgamento do caso de sequestro de bebês de desaparecidos.
Operação Condor - Videla
integrou uma rede internacional de repressão, ao lado de ditaduras de
Brasil, Paraguai, Uruguai e Chile – no caso deste, a aproximação ocorreu
apesar da rivalidade da Argentina com o regime de Augusto Pinochet.
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