MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quarta-feira, 8 de maio de 2013

'Não me vejo sem eles e nem voltaria atrás', diz mãe de 51 filhos em Sergipe


‘O primeiro filho adotivo eu ganhei no mercadinho’, revela Etani Souza.
Ela também ajuda os ‘filhos de ninguém’ que a chamam de mãe.

Marina Fontenele Do G1 SE

A sala de televisão é quase um teatro para abrigar a família de Etani (Foto: Marina Fontenele/G1)A sala de televisão é quase um teatro para abrigar a família de Etani (Foto: Marina Fontenele/G1)
Só quem é mãe sabe a alegria de sentir uma criança crescendo dentro da barriga. Etani Souza Fontes experimentou essa sensação cinco vezes, mas depois conheceu o significado de ser mãe de filhos que ela não gerou, mas ama como se fossem um pedacinho dela. A mãezona tem 51 filhos, 46 deles adotivos, além de 17 netos e duas bisnetas. Parte dessa grande família mora no bairro Rosa Elze em São Cristóvão, em Sergipe.
“Quando eu era criança o meu sonho era casar, ter filhos e também criar os filhos dos outros. E foi aí que me enganei. Eles não são dos outros, são meus filhos. Eu só não pari, mas são meus”, afirma Etani.
O primeiro filho adotivo surgiu na vida de Etani em 1991 quando ela menos esperava. “Eu estava fazendo as compras no mercadinho quando a moça do caixa perguntou se eu queria um menino para criar. Eu disse: 'claro'. Até esqueci de consultar meu marido e filhos. No dia seguinte, eu já estava com o recém-nascido. Seis meses depois de ganhar Saulo, chegou Bárbara, no mês seguinte foi Luiz e logo em seguida vieram os gêmeos e assim as crianças foram chegando até dois anos atrás”, explica. Em uma dessas vezes, ela adotou sete irmãos vindos de uma mesma família.
Eu estava fazendo as compras no mercadinho quando a moça do caixa perguntou se eu queria um menino para criar"
Etani Souza Fontes
Nos finais de semana e feriados a casa fica ainda mais movimentada, fica difícil encontrar um cantinho onde não tenha ninguém. “Me sinto uma mãe privilegiada e realizada. Não consigo me imaginar sem meus filhos. Só peço à Deus que faça deles homens e mulheres de bem”, revela a supermãe, que com simplicidade não ostenta esse adjetivo. Juntar todo mundo em uma foto é missão quase impossível, Etani até procurou nos arquivos, mas sempre falta alguém.
O estudante de bacharelado em Física Saulo Roberto Fontes Souza, 21 anos, primeiro filho adotivo da família, se diz privilegiado por abrir as portas para a chegada dos outros irmãos. “Minha mãe é o meu maior presente, foi ela quem decidiu cuidar de mim quando minha outra mãe não pôde. Tenho muito orgulho dela, do meu pai e meus irmãos”, afirma Pedro Roberto França dos Santos, de 17 anos.
Etani apresenta parte da família em fotografia  (Foto: Marina Fontenele/G1)Difícil é juntar toda a família na mesma fotografia (Foto: Etani Souza/Arquivo Pessoal)
E quem pensa que a chegada de novos irmãos causou ciúmes nos filhos biológicos se engana. Eles abraçaram o sonho da mãe e a ajudaram a cuidar dos mais novos. Quando primeiro Saulo chegou, a técnica em enfermagem Ana Paula Fontes Sales tinha 14 anos. “Me apaixonei por ele e foi assim foi com todas as crianças. Ajudei minha mãe a cuidar deles, dividia as tarefas e até hoje os defendo como unhas e dentes como meus irmãos de sangue”, relata Ana Paula.
Aos 61 anos, Etani ‘fechou a fábrica’ porque a idade avançada, segundo ela, é um empecilho para criar outros bebês com a mesma energia necessária para acompanhar o desenvolvimento do mundo. “Está mais difícil criar os filhos hoje em dia do que há 30 anos. A aqui em casa é um Exército, eu costumo dizer que é como se fosse uma balança com um lado de disciplina e outro de amor. Eu não abro mão do respeito. Não pode haver discriminação nem preconceito, porque nós não temos o direito de julgar ninguém. Aqui tem horário para tudo e eles só saem com o meu consentimento”, ressalta.
Etani e o marido, pais de 51 filhos (Foto: Marina Fontenele/G1)Etani e José Roberto se desdobram para cuidar das dezenas de filhos (Foto: Marina Fontenele/G1)
Preocupações
Diante da alegria de ser mãe de tantos filhos com personalidades diferentes, Etani se preocupa com o futuro deles. “A decepção é muito grande quando vejo aqueles que não querem estudar e, por incrível que pareça, isso acontece mais com as meninas. Isso é dolorido e amargo”, desabafa. A angústia tem fundamento, um dos meninos conheceu a droga dentro da escola e acabou sendo assassinado em 2011, aos 17 anos.
“Vejo ela se dedicando de corpo e alma aos nossos filhos, mas às vezes não percebo o retorno necessário para eles aproveitarem a oportunidade de estudar. Isso machuca muito”, conta o patriarca e Policial Civil, José Roberto de Souza.
Apesar das dificuldades, o amor e a união prevalecem na família e o arrependimento de assumir tamanha responsabilidade sequer passa pela cabeça da supermãe. “Nunca, jamais, em tempo algum eu pensei em voltar atrás porque eu não me vejo sem eles. Agora, se me perguntasse se eu faria tudo de novo, não faria porque essa evolução dessa liberdade, que para mim é a libertinagem disfarçada, tira do pai o direito de educar. Muitos não querem ouvir as lições que passamos para eles”, afirma Etani. A relação entre pais e filhos é aberta com muita conversa e direto ao ponto como a própria Etani define.
Etani (Foto: Marina Fontenele/G1)"Só peço à Deus que faça deles homens e mulheres de bem", afirma Etani  (Foto: Marina Fontenele/G1)
Desafios
A casa foi doada por um empresário que mensalmente ajuda com parte da alimentação da família composta pelos 33 filhos adotivos com idades entre 2 e 21 anos que ainda moram com os pais. Em 2008, o apresentador Luciano Huck do programa Caldeirão do Huck exibido na TV Globo conheceu a família e promoveu uma reforma no imóvel.
O salário de Policial Civil e a aposentadoria de funcionária pública são basicamente a renda da grande família. “Os bebês foram chegando de maneira sorrateira, alguns foram deixados na porta por mães vinham na agonia de não ter condições de criar os bebês, outras porque queriam se divertir. Eles foram chegando e a gente acolhendo, quando percebemos a casa já estava cheia. Só com a ajuda de Deus e de algumas pessoas que apareceram na nossa vida nós fomos conseguindo nos virar”, lembra a matriarca.
Nunca, jamais, em tempo algum, eu pensei em voltar atrás porque eu não me vejo sem eles"
Etani Souza Fontes
Coração gigante
E como coração de mãe sempre cabe mais um, neste caso muitos, Etani ainda tem outros filhos de consideração na região onde mora, no bairro popular do município na área metropolitana de Aracaju. Eles a chamam de mãe pelo afeto e cuidado que ela dedica a cerca de 30 pessoas que a visitam diariamente. “Gostaria de ter um lar para receber quem me procura pedindo comida. Eu os chamo de filhos de ninguém. São drogados, alcoólatras e até assaltantes, mas todos me respeitam e me chamam de mãe. Gostaria de um lugar decente para eles almoçarem, tomarem banho e até tirarem um cochilo”, afirma.
Enquanto a equipe de reportagem do G1 conversava com Etani, um homem que estava dormindo na calçada da casa acordou chamando por ela. “Mãe! A barriga está vazia e só você para resolver isso”, disse o morador de rua.  Até a mãe biológica de Saulo, que ele conheceu aos 17 anos, já é considerada parte dessa grande família sergipana.

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