MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

terça-feira, 28 de maio de 2013

Para andar com fé. E muita beleza ao redor



FELIPE MORTARA - O Estado de S.Paulo
Quando escuto a palavra peregrinação, lembro-me imediatamente de dois lugares: Meca, a cidade sagrada dos muçulmanos, e Santiago de Compostela, santuário pop do catolicismo andarilho. Em 2012 mais de 192 mil peregrinos cumpriram os 800 quilômetros entre Saint Jean Pied de Port, no sul da França, e a basílica galega - o Brasil foi o 13.º país, entre 164, que mais enviou caminhantes no ano passado, totalizando 2.229. O site caminhodesantiago.org.br reúne em português tudo o que é preciso saber antes de botar, literalmente, o pé na estrada.

Há muitas outras opções para andar com fé. Diversos percursos misturam longas caminhadas com história e religião. Do Japão à Noruega, da Irlanda à Índia, muitos povos praticam a arte de calçar botas, apanhar o cajado e simplesmente ir. Vá em frente e confira nossa seleção de caminhos, no Brasil e no mundo.

Via Francigena. À primeira impressão, pode soar absurda a ideia de caminhar de Canterbury, na Inglaterra, até Roma. No entanto, há séculos fiéis adotaram a Via Francigena (foto), cujo primeiro registro oficial data de 876 d.C., como rota de peregrinação ao Vaticano. O trajeto, de quase 2 mil quilômetros, cruza França, Suíça e Itália até chegar à Basílica de São Pedro.

Cumpri-lo leva cerca de três meses, a uma média de 22 quilômetros por dia. Ou seja, além de fé, exige muita disposição dos andarilhos, especialmente nos trechos mais íngremes, como o Passe de Grand Saint Bernard, a 2.469 metros de altitude, que divide os Alpes suíços e italianos.

Quase não passa por grandes cidades, mas pequeninos vilarejos. Na França, a maior é Reims, com 190 mil habitantes e seu incrível Palace de Tau, de 1509. Aproveite a passagem pela zona de Champagne-Ardenne para experimentar a bebida que leva o nome da região. Em Langres, deguste o queijo de sabor particular fabricado ali.

Embora atravesse quatro países, o trecho mais popular da rota são seus mil quilômetros finais, todos na Itália. Descubra as cores dos campos de trigo e de arroz do Vale do Pó, as trilhas e os bosques dos Apeninos e os vinhedos da Ligúria. O percurso ainda cruza as pitorescas colinas da Toscana e do Lazio, passando por cidades como Lucca, San Gimignano e Siena.

Ao iniciar a caminhada, o peregrino ganha uma credencial, carimbada em pontos de parada. Ao final, no Vaticano, o documento é conferido - há quem tente burlar - e, se for autenticado, é concedido um testimonium, o diploma do peregrino.


Peregrino cruza campo florido na Via Francigena - Divulgação
Divulgação
Peregrino cruza campo florido na Via Francigena
A guia Cristina Menghini organiza excursões em português pela Via Francigena em junho e julho, por 300 (terrestre) - contato pelo e-mail camminandosullaviafrancigena@gmail.com. Mais informações no site francigena-international.org.
Em Shikoku, no Japão, objetivo é atingir o nirvana

O objetivo dos peregrinos que percorrem os 1.200 quilômetros que circundam a ilha japonesa de Shikoku é um só: conhecer e meditar em cada um de seus 88 templos budistas. Repleta de significados, a caminhada é um desafio que atrai tanto a fiéis budistas de todo o mundo como andarilhos atrás de belas paisagens e cantinhos extremamente espiritualizados.


A menor das quatro grandes ilhas que formam o Japão significa literalmente "quatro províncias", sendo elas Tosa, Iyo, Sanuki e Awa, onde está a cidade de Naruto, ponto de partida do percurso. Fundado em 1687, o templo de Ryozen-ji é o marco zero.


O número de templos não é à toa. A explicação mais aceita é de que eles sejam divididos em quatro blocos, significando os quatro passos do caminho à iluminação. Do primeiro ao 23.º representam o despertar; do 24.º ao 39.º, a disciplina; do 40.º ao 65.º, o alcance da iluminação e, por fim, o nirvana.


Em geral, os henro (nome dado aos peregrinos) se vestem com camisa branca, carregam o kongõ-zue, espécie de cajado de bambu, e um chapéu cônico. Dentro da mochila levam oferendas e um livro de sutras.


Ao chegar aos templos, acendem incensos e repetem mantras. Os pernoites são feitos tanto em albergues quanto em casas de voluntários.


No Brasil, o roteiro é representado pelo Caminho do Sol.



Sete dias pelas montanhas de Minas Gerais

Os 200 quilômetros do Caminho da Luz são quase inteiramente percorridos nas montanhas de Minas Gerais, perto das divisas com os Estados do Rio e do Espírito Santo. O nome vem de fragmentos de mica e cristais que emergem do solo, proporcionando-lhe um brilho especial. A rota é carregada de um magnetismo que fascina quem tem sensibilidade mais aguçada.


Todo sinalizado por setas, marcas amarelas e placas indicativas, o caminho tem início na cidade de Tombos, a 383 quilômetros de Belo Horizonte, e termina no Pico da Bandeira (foto), a 2.892 metros de altitude.


São sete dias de caminhada pelas montanhas mineiras, mas dá para cumprir o trajeto em menos tempo, de bicicleta ou a cavalo, passando por fazendas centenárias, matas, cachoeiras, santuários e antigas estações ferroviárias.


Também não deixe de recarregar as baterias na Cachoeira dos Tombos, a quinta maior em volume d'água no País. No site caminhodaluz.org.br há todas as informações necessárias.



Santuário teria águas milagrosas nas Missões

Os gaúchos Romaldo Melher e Claudio Reinke tinham o sonho de contar a história de sua região levando as pessoas a percorrer e entender os caminhos que ligavam os antigos povoados missioneiros - hoje Patrimônio da Humanidade - em um território que atualmente pertence a Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Ainda que o perfil do caminho seja muito mais histórico do que religioso, uma fonte no Santuário do Caaró possui a fama de ter águas milagrosas.


Há trajetos de 72, 190 e 338 quilômetros - todos terminam na igreja de Santo Ângelo (foto) -, que podem ser percorridos em 3, 8 ou 14 dias, respectivamente. Os dois mais longos também podem ser feitos de bicicleta em 3 e 5 dias. A caminhada guiada custa entre R$ 560 a R$ 2.080 por pessoa. Reservas em caminhodasmissoes.com.br.



Padroeiro da Noruega inspira rota no verão

No inverno o frio é de doer, mas no verão os campos verdes, a temperatura amena e os dias sem fim da Noruega são o pano de fundo para uma belíssima rota peregrina. O Caminho de Santo Olavo percorre 640 quilômetros saindo da parte antiga da capital, Oslo, rumo ao norte até a Catedral de Nidaros, na pacata Trondheim, onde está enterrado o antigo rei, que viveu entre 995 e 1030 d.C. e foi canonizado um ano após a sua morte.


A Rota dos Peregrinos, também conhecida como Old King's Road, virou caminho espiritual consagrado a partir de 1153 quando Trondheim foi sede do arcebispado norueguês. Mesmo com a saída da arquidiocese de lá, em 1537, a via não parou mais de receber andarilhos, que caminham, em média, 30 quilômetros por dia. No site visitnorway.com há uma lista com as melhores rotas.



Via refaz trajetos históricos do santo de Assis

Pelo nome é fácil confundir com a Via Francigena. No entanto, esta rota criada há 20 anos tem um viés muito mais histórico e turístico que religioso, ainda que seu objetivo principal seja retraçar os lugares por onde viveu, passou e rezou São Francisco de Assis. Obviamente a cidade de Assis e sua basílica, aberta em 1228, são os pontos de destaque do percurso de 280 quilômetros que atravessa as regiões da Umbria, da Toscana e termina em Roma.


O caminho começa na nanica Citerna e é dividido em 16 trechos, que variam de 7 a 20 quilômetros por dia. Em geral percorre-se todo o trajeto em cerca de um mês e meio, pois a caminhada é sempre intercalada com visitas a museus e sítios históricos, além de vinícolas pelos arredores - como a fazenda Sassara (sassara.it), em Pian del Vantaggio. Prove o renomado Poggio del Ciculo, feito com uvas greghetto e trebbiano. Hospede-se na mesma propriedade, com diárias a partir de 40. Mais em viadifrancesco.it.



O mais longo do Brasil leva a Aparecida

Desde 2003 os peregrinos vêm se multiplicando rumo a Aparecida, a 188 quilômetros de São Paulo, com a abertura do Caminho da Fé. Foi criado há 10 anos por três amigos de Águas da Prata, que haviam feito o Caminho de Santiago e queriam que outras pessoas pudessem sentir também como é andar por fé, sem ter que sair do Brasil.


Hoje são 17 os pontos de partida e apenas um de chegada: o Santuário de Nossa Senhora Aparecida, construído na década de 1940. Rota peregrina mais extensa do País, passa por 29 cidades de São Paulo e Minas e chega a ter 542 quilômetros desde o ponto mais distante, em São Carlos - 17 dias de caminhada.


No site caminhodafe.com.br há mapas, lista de pousadas, restaurantes conveniados e endereço para retirar a credencial de peregrino (R$ 5), que deve ser carimbada pelo caminho para validar o certificado em Aparecida. Vale começar em qualquer dia do ano, a pé ou de bicicleta.



Na Irlanda, subida árdua por São Patrício

Dizem que São Patrício jejuou por 40 dias no alto desta montanha cônica de quartzito de 764 metros de altitude, que mais tarde ganhou seu nome e se transformou no mais importante centro de peregrinação da Irlanda. Anualmente mais de 15 mil peregrinos sobem ao topo e rezam na capela ali construída em 1905. No entanto, os registros de uso religioso do local remontam ao século 8, com os vestígios arqueológicos de um pequeno templo.


Reza a lenda que, no ano de 1113, uma grande bola de fogo surgiu durante o jejum de São Patrício e matou cerca de 30 fiéis que oravam ali. Desde então a montanha mudou de nome, homenageando o santo, e a partir daí todo último domingo de julho milhares de peregrinos encaram mais de 13 quilômetros em cerca de duas horas de percurso árduo.


Apesar de não ser recomendável, muitos devotos sobem descalços para orar na pequena capela sobre o cume. A hipotermia é outro problema responsável por frustrar muitas tentativas de alcançar o topo.



Amritsar, a Jerusalém dos sikhs, na Índia

Espécie de Jerusalém da religião sikh, a cidade de Amritsar, noroeste da Índia, abriga também seu principal templo, o Sahib Harmandir. Mais conhecido como Templo Dourado, é rota de peregrinação de fiéis, além de receber turistas interessados nos particulares rituais.


Erguido em 1574 pelo guru Arjan De, foi refeito em 1764 no molde imponente, com ouro e pedras preciosas, que se vê hoje. O prédio ganhou forma em torno de um poço, conhecido como Néctar da Imortalidade.


Diariamente cerca de 100 mil pessoas visitam o templo coberto com frases do Granth Sahib, o livro sagrado do sikh. A principal festividade ocorre em 21 de novembro, quando se comemora o aniversário de Baba Guru Nanak, fundador da religião, que este ano completa 545 anos. Rotas e mapas em goldentempleamritsar.org.

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