Por medo, 2 milhões de motoristas deixam de dirigir, afirma Associação.
Psicóloga diz que pessoas ansiosas e perfeccionistas não admitem errar.
Silvia superou o medo de dirigir após terapias com uma
psicóloga (Foto: Adriana Justi / G1)
Desespero, nervosismo e falta de domínio do carro. Essas são algumas
das principais características de quem tem medo de dirigir, segundo
Neuza Corassa, diretora do Centro de Psicologia Especializada em Medos
(Cepem), em Curitiba.
De acordo com a Associação Brasileira de Medicina de Trânsito
(Abramet), dois milhões de brasileiros não dirigem por medo. Destes, 75%
são mulheres.psicóloga (Foto: Adriana Justi / G1)
Neuza Corassa aponta que o problema é típico de pessoas muito ansiosas e perfeccionistas que não admitem errar. Na maioria das vezes o medo pode ser solucionado com terapias, com o aprimoramento de aulas práticas ou até mesmo com exercícios diários em casa, segundo a psicóloga.
"Quem sofre desse tipo de medo percebe por si próprio que precisa de ajuda e normalmente isso acontece depois de algumas tentativas frustradas de conduzir o veículo", diz Neuza, que acrescenta ainda que outras manifestações como tremedeira nas pernas, transpiração excessiva, taquicardia e insônia também caracterizam a limitação.
Necessidade
de cuidar dos filhos foi um dos fatores que motivou a motorista a se
encorajar no trânsito (Foto: Adriana Justi / G1)
A necessidade de cuidar dos dois filhos foi um dos motivos que levou a
dona de casa Silvia Eliana Romais Starke, de 35 anos, a buscar ajuda.
Ela tinha a Carteira Nacional de Habilitação há 13 anos, mas não tinha
coragem de encarar o trânsito. "No começo foi porque eu não tinha carro
próprio e meu pai não gostava de emprestar. Depois, já independente
financeiramente, tive a chance de comprar um carro, mas fiquei pouco
tempo com ele e nunca o dirigi. Quem dirigia pra mim era o meu marido",
explica.A dona de casa conta que acabou se acomodando com a situação e que ficou traumatizada após um acidente. "Em 2006 eu fiquei grávida e, com 15 semanas de gravidez, um homem, aparentemente bêbado, bateu na traseira do nosso carro. O acidente felizmente não nos machucou, mas foi o suficiente para despertar um medo maior. Levei alguns outros sustos com acidentes e comecei a ter consciência de que poderia perder minha família em um deles e isso se tornou pânico", acrescenta. Ela lembra que não conseguia tirar da cabeça pensamentos como atropelamentos, mortes e acidentes que eram noticiados.
"Tive várias crises de pânico no carro", conta Silvia
(Foto: Adriana Justi / G1)
"O medo de dirigir era tão grande que eu sofria até quando estava no
banco do passageiro. Tive várias crises de pânico dentro do carro. A
pior foi quando estávamos indo visitar nossos familiares em Ponta
Grossa. Eu sentia suor, mãos frias, taquicardia, dor no corpo, sensação
de tontura e até pesadelos com acidentes", relembra.(Foto: Adriana Justi / G1)
Ela relatou que quando o marido viajava, era quando ela sentia mais necessidade de dirigir. "Por várias vezes eu saía a pé enquanto o carro estava ali, na garagem. Peguei algumas chuvas com as crianças e as mochilas a caminho de casa. Isso não estava certo e eu tinha que resolver", acrescenta. Foi então, que ela deu início ao tratamento psicológico.
As terapias feitas por Corassa, que se tornou especialista no assunto e que já lançou dois livros sobre o medo de dirigir, são divididas em quatro etapas. "A primeira parte é a análise funcional, onde nós trabalhamos com o autoconhecimento e com o autocontrole, para que a pessoa possa entrar bem no carro. Depois, ensinamos um relaxamento para o corpo que pode ser feitos em casa mesmo. Na terceira etapa, trabalhamos com a hierarquia, que é listar os medos da pessoa sem compará-la com ninguém. E, por último, o trabalho é feito de maneira prática com a ajuda de um cooterapeuta. Ele vai atuar aos poucos, com muita paciência e respeitando o limite de cada motorista", explica a psicóloga. A especialista garante que a maioria dos tratamentos é positiva e que todos os motoristas conseguem se adequar ao trânsito normalmente.
Sobre o tratamento em casa, ela explica que as orientações devem ser feitas de maneira rigorosa. "No início, deve-se trabalhar um pouco sobre essa questão da exigência e se permitir pensar mais sobre as prioridades da vida. E tudo isso deve ser aliado a exercícios físicos. No intervalo disso, o motorista deve marcar na agenda duas aproximações do carro por semana. Isso pode ser feito por alguns minutos e com a presença de uma pessoa habilitada que tenha um perfil calmo", indica.
"O ideal é começar em trechos próximos de casa e em dias e horários sem movimento. Aos poucos, quando a pessoa se sentir segura, é que ela poderá dirigir sozinha e em locais com maior movimento", ressalta Neuza.
O primeiro contato com a direção no caso da dona de casa foi em um simulador no consultório. "Fiquei emocionada porque naquele momento era o início do enfrentamento e não foi fácil. Depois disso, decidi comprar um carro e na mesma semana meu filho teve uma pneumonia e teve que ser internado. Foi então que a necessidade foi o grande empurrão para que eu efetivamente começasse a dirigir de verdade", conta Silvia. Ela fazia os trajetos de idas e vindas do hospital e para a escola, casa, mercado, entre outros.
Silvia conta que depois do tratamento se sente uma boa
motorista (Foto: Adriana Justi / G1)
Durante os percursos, Silvia lembrou que passou por muitas dificuldades
como a pressa das pessoas e a falta de paciência, mas também reiterou
situações que a motivaram a continuar. "Motoristas que esperaram um
pouco e me deram a vez, uma pessoa no estacionamento do mercado que me
viu com dificuldade e veio ajudar na manobra, um ciclista que me
cumprimentou quando eu o deixei passar. Na minha história, buscar a
ajuda das pessoas certas foi o maior ato de coragem que tive. Só podia
acabar bem".motorista (Foto: Adriana Justi / G1)
"Hoje me considero uma boa motorista. Não pela técnica do dirigir, ainda tenho algumas dificuldades nas manobras, mas pelo cuidado e respeito que eu tenho com a minha vida, com a vida da minha família e das outras pessoas. O medo que eu sentia não me paralisa mais, só me faz ser cautelosa", comemora.
Autoescolas especializadas no assunto
Atualmente existem pouco mais de 140 autoescolas em Curitiba. Destas, apenas duas são voltadas para este tipo de público, segundo a Associação dos Centros de Formação de Condutores do Paraná (Ascefocon).
Weiglison é dono de uma autoescola especializada em
pessoas com medo de dirigir (Foto: Adriana Justi / G1)
"Acredito que o medo de dirigir é devido à falta de prática", afirma o
empresário e dono da Autoescola Lago, em Curitiba, Weiglison Mark Lago.
"Parte desse problema é devido às poucas horas práticas oferecidas pela
legislação de trânsito, que são de apenas 20. Nesse período, são
ensinados macetes que apenas ajudam os condutores a passar no teste
prático do Detran. Muitos até passam, mas sentem dificuldade na hora de
encarar o trânsito de verdade", explica o empresário e dono da
Autoescola Lago, em Curitiba, Weiglison Mark Lago.pessoas com medo de dirigir (Foto: Adriana Justi / G1)
"E é por isso que muita gente vem nos procurar achando que sente medo, mas na verdade é porque precisam aprimorar a prática. Nós temos profissionais capacitados para trabalhar essa questão de acordo com o tempo de cada motorista, sem limite de aulas e horas", acrescenta Lago. Ele lembra que antes da realização das aulas práticas, o aluno passa por uma avaliação psicológica.
"Quando realmente a gente percebe que o condutor tem algum trauma ou algum problema maior, nós encaminhamos primeiro para um tratamento psicológico. Depois, ele passa pela parte prática. E na maior parte dos casos, praticamente todos, conseguem superar a dificuldade", completa o empresário.
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