| 22 Janeiro 2014
Midia sem Máscara
A
Colômbia sofre a perfeita guerra subversiva, assimétrica, em que a
propaganda, a infiltração do Estado e os atos pontuais de terror contra
os civis são a melhor maneira de roubar a alma e as liberdades de um
país.
O miserável ataque das FARC contra a população de Pradera (Valle) não tem nada de “irracional”. Surpreende ver o chefe de Estado colombiano se equivocar ao qualificar assim a nova infâmia do bando narcoterrorista.
O
país se sente perdido e desprotegido quando vê que o presidente da
República estima que esse atentado é “contraditório”, antes de passar,
da maneira mais displicente, a outro tema, a algo menos aterrador, como
se a pessoa morta e os 61 feridos dessa localidade martirizada não
merecessem a compaixão e, sobretudo, a ação e a determinação do chefe de
Estado para conseguir a curto e médio prazo a segurança e tranqüilidade
dessa região e de toda a Colômbia.
Santos
se foi em palavras bajuladores e se esquivou desse tema. Para ele
parece inconveniente ordenar a perseguição geral das estruturas
subversivas que matam colombianos onde querem, quando querem e ao ritmo
que querem. Santos, em vez de fazer isso, continua com sua estratégia de
golpes com conta-gotas, que não debilita as FARC, dilata as
conversações e contribui para ambientar a re-eleição.
O
sangue das vítimas ainda não havia esfriado quando Santos escolheu os
apelativos mais suaves para aludir ao covarde atentado e passar, sem
mais nem menos, a fazer uma espécie de elogio subliminar dos verdugos ao
dizer que este ano ele assinará a paz com eles. No dia seguinte,
aparecia em um jornal espanhol esta declaração: que ele “imagina os
representantes das FARC sentados no Congresso”.
Atacar
povoados, matar e mutilar fardados e civis, assim como jornalistas,
sacerdotes, sindicalistas, indígenas, estudantes, é um ato totalmente
racional para as FARC. São atos calculados e premeditados. Os golpes das
FARC têm um calendário e uma dosagem. Com eles, as FARC reiniciam suas
“negociações” em Havana e dizem ao país que a iniciativa da guerra
depende delas, que o governo não as paralisou. O ocorrido em Pradera diz
que a estratégia de tensão continua por conta delas e que a Colômbia
deve ceder ante suas pretensões.
Não
há nada de “irracional” nesses atentados. Não são atos “demenciais” nem
“estúpidos”, como acredita o general Leonardo Barrero, comandante das
Forças Militares.
O
atentado de Pradera e os anteriores não são “contraditórios” pois as
FARC não são capacetes azuis. Não são dialogantes pacíficos, não são
interlocutores leais, não são agentes da paz.
Matar
colombianos faz parte da racionalidade e da cronologia política dessa
gente, de seus recursos psicológicos e ideológicos mais profundos. Matar
colombianos, plantar minas, seqüestrar, aterrorizar anciãos, mulheres e
crianças, mentir, dialogar em falso, não só é necessário senão que é
legítimo e até indispensável. Para eles, as matanças são simples
episódios que ajudam a derrubada espiritual do país e que preparam a
tomada do poder.
Esta
e a construção do coletivismo são, para eles, objetivos supremos, de
grande humanismo. Eles acreditam que encarnam o progresso. Em sua visão
torcida e messiânica, as vítimas, inclusive as milhões de vítimas, que
são o preço deste “projeto”, são muito pouco ou nada.
Por
isso nunca fizeram a paz, e não a poderão fazer. Por isso entre as
fileiras das FARC jamais surgiu um Mandela, que de terrorista carregado
de ódio saltou para o contrário, graças à audácia de um De Klerk e de
outros visionários, para uma perspectiva de reconciliação e colaboração
entre raças e classes sociais que salvou seu país. Quem imagina
Timochenko pensando assim?
Os
assessores do presidente Santos vêem o caso de Pradera como uma “mostra
de debilidade militar” das FARC. Eles pensam a guerra em termos
caducos. Um atentado durante a Segunda Guerra Mundial era, com efeito,
pouco útil. O paradigma de hoje é diferente. A Colômbia sofre a perfeita
guerra subversiva, assimétrica, em que a propaganda, a infiltração do
Estado e os atos pontuais de terror contra os civis são a melhor maneira
de roubar a alma e as liberdades de um país. Inclusive e apesar de que
haja o triunfo militar do Estado.
Os
assessores não vêem isso. Acreditam que tudo vai bem. Estimam que
“pressionar militarmente as FARC em meio da negociação” levará ao
triunfo do Governo. Esquecem que isso já se fez no Caguán, com
resultados desastrosos. Assim adormecem o país enquanto a traição
avança.
Não,
a matança de Pradera não foi um ato “irracional”. Ao utilizar essa
palavra, Santos deixou ver que havia entrado no funil mental de Rodrigo
Granda. Ele disse o mesmo: que era um ato que o havia “surpreendido”.
Entretanto, aproveitou a tribuna para justificar o atentado e para
desinformar: “as FARC vão atacar impunemente a população civil”, disse, e
assegurou que o atentado “ia sobre [sic] um quartel da Polícia ou atrás
de alguma patrulha militar”.
Sim,
o que sai deste episódio é duplamente triste. Horas depois da tragédia
de Pradera o poder central falou de paz a qualquer preço, de Congresso
invadido por esses monstros. A mensagem é clara: cada novo massacre nos
aproxima mais da paz. Com essa turva dialética os sacrifícios aumentarão
mas serão mais e mais silenciados. É isso que os colombianos temos que
aceitar?
Tradução: Graça Salgueiro
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