Artista brasileiro cria ambiente em hotel de gelo na Suécia a -40°C

Grafiteiro Speto é o 1° artista do Brasil a participar da construção.
Hotel derrete na primavera e é reconstruído todo ano.

Flávia Mantovani Do G1, em São Paulo

O grafiteiro Speto trabalha no Ice Hotel, na Suécia (Foto: Speto/Arquivo pessoal)

De um calor de 35°C para a temperatura de 40°C negativos, o grafiteiro Speto saiu no mês passado de São Paulo rumo a uma pequena vila no norte da Suécia para viver uma experiência única em sua carreira. Ele foi o primeiro brasileiro a participar da construção do Ice Hotel, hotel de gelo que, há 24 anos, é reconstruído a cada inverno por artistas de vários países.

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O Ice Hotel fica em Jukkasjärvi, cidade com 1.100 habitantes (e 1.000 cachorros) localizada 200 km ao norte do Círculo Ártico.
Foi o primeiro hotel do tipo a ser criado no mundo e, com seus 5.500 metros quadrados, afirma ser o maior deles. Cerca de cem pessoas – metade delas, artistas – participam de sua construção todo ano.

Uma das suites do hotel mostra a cama sobre um
bloco de gelo (Foto: Christopher Hauser/Ice Hotel/
Divulgação)

Como matéria-prima, usam mil toneladas de gelo e 30 mil toneladas de uma mistura de gelo e neve. O estabelecimento abre ao público de dezembro até a metade de abril, quando começa a derreter.
O edifício de gelo fica anexo a um prédio comum, com ambientes aquecidos. A maioria dos hóspedes dorme apenas uma noite em uma das suítes geladas -- que não têm água corrente e outras comodidades impossíveis de serem instaladas nesse tipo de ambiente -- e fica o restante da estadia nos quartos quentes.
Nas suítes criadas por artistas, a diária por pessoa em quarto duplo sai pelo equivalente a R$ 850 de segunda a quarta-feira e por cerca de R$ 1.100 de quinta a domingo. Nos quartos de gelo comuns, o preço da estadia vai de R$ 725 a R$ 980 (valores para os meses de dezembro a março).
O hotel será um dos locais que receberão o troféu da Copa do Mundo em um tour patrocinado pela Coca-Cola – a ideia é fazer uma réplica em gelo depois que passar por lá. Foi assim que se chegou ao nome de Speto, já que o artista trabalha na campanha da marca de bebidas para o mundial de futebol.
Nossa Senhora Aparecida e bola de futebol

A obra de Speto na recepção do hotel (Foto: Christopher Hauser/Ice Hotel/Divulgação)

O grafiteiro chegou a Jukkasjärvi no início de dezembro e ficou 15 dias na cidade. Seu trabalho no hotel foi batizado de “Todo Mundo”, em português, e consiste em um paredão entalhado e duas esculturas na recepção.

Visitantes podem 'entrar' em
escultura
(Foto: Speto/Arquivo pessoal)

No painel, um sol formado por uma bola de futebol, o Pão de Açúcar, um pássaro e pedaços de gelo lapidados como se fossem cristais. Uma das esculturas é inspirada em uma baiana e a outra, em Nossa Senhora Aparecida. As estátuas têm até 2,70 m de altura.
Speto nunca havia trabalhado com gelo, e contou com a ajuda do dono do hotel e de outros artistas (a maioria da própria Europa) para aprender a lidar com o material.
Usou máquinas especiais para cortar gelo e ferramentas típicas de escultura, algumas em escala maior. A “cola” era a própria água.
Também ganhou uma roupa especial para aguentar as baixas temperaturas durante o trabalho. Dentro do hotel, a temperatura é mantida entre -5°C e -15°C. “A roupa pesava uns 4 kg. Dentro dela, você sua e congela ao mesmo tempo”, lembra ele, que nunca havia estado em um lugar tão frio. “Não imaginava o que eram 40 graus negativos até chegar lá. As condições climáticas são muito difíceis. Congela a mão, o pé, os cílios, tudo”, afirma.

Não imaginava o que eram 40 graus negativos até chegar lá. Congela a mão, o pé, os cílios"

Speto, grafiteiro

Speto diz que a rotina diária era pesada e agravada pela falta de luz. São cerca de duas horas de luz por dia nessa época do ano. "Esse escuro vai te dando sono. Mas é superbonito. Tinha lua cheia às 9h da manhã”, conta.
Ele gostou da paisagem local. “A natureza é muito bonita, é até agressiva, de tão branca. Do avião você vê aquela região toda branquinha, dá uma paz”, diz.
O artista também deu sorte de ver a Aurora Boreal logo no dia em que chegou, após voar de São Paulo a Paris, Estocolmo e Kiruna, onde fica o aeroporto mais próximo ao Ice Hotel. “Foi minha recompensa”, diz.
Peles de rena sobre o gelo

O grafiteiro trabalhando no hotel; só se pode usar gelo e neve como matérias-primas (Foto: Speto/Arquivo pessoal; Arne Bergh/Ice Hotel)

Durante o dia, o Ice Hotel vira uma espécie de museu aberto a visitantes – são cerca de 50 mil por temporada. Tudo é feito de gelo, inclusive os móveis, e não se pode usar tinta nem outros materiais.

Ferramentas usados para trabalhar o gelo e neve;
bloco de gelo vai virando escultura
(Foto: Speto/Arquivo pessoal)

As camas geladas são cobertas por peles de rena e por colchões especiais que se mantêm aquecidos. Os hóspedes recebem também roupas especiais para aguentar as baixas temperaturas. “É mais fácil a pessoa passar calor do que frio”, diz Speto.
Os blocos de gelo usados na construção vêm do rio que fica na região e são “totalmente cristalinos” por causa da limpeza da água, diz o grafiteiro. O edifício derrete pelas beiradas, e é aberto para visitação também na fase do degelo.
Speto só lamenta não ter tido tempo de fazer os passeios que são oferecidos aos turistas: ver renas e alces, conhecer grupos indígenas, passear de trenó e moto de neve, entre outros. “Quero voltar lá um dia com mais tempo para curtir”, diz.