MEDIÇÃO DE TERRA

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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

'Fitinhas baianas' voltam à Lavagem do Bonfim após mais de 20 anos


Até ano passado, símbolo tradicional da devoção era produzido em SP.
Cooperativa que assumiu produção festeja conquista; festa foi tombada.

Maiana Belo Do G1 BA

As novas fitas do Bonfim são brancas, mas as letras podem ser coloridas (Foto: Maiana Belo/G1 Bahia)As novas fitas do Bonfim são brancas, mas as letras podem ser coloridas (Foto: Maiana Belo/G1 Bahia)
A Lavagem do Bonfim de 2014 será o primeiro festejo após a volta da produção na Bahia das fitinhas em devoção ao santo mais famoso do estado. Os integrantes da cooperativa que assumiu a confecção do maior símbolo do Senhor do Bonfim festejam a conquista. "Temos 10 mil fitas para serem comercializadas na Lavagem do Bonfim. Ainda é muito pouco porque nossa equipe ainda não tem a agilidade para produzir", diz Moisés Cafezeiro, coordenador da Cooperativa de Produtores de Artigos Religiosos e Culturais (Cooparc), no bairro da Ribeira.
A festa tradicional do calendário religioso da Bahia será realizada na quinta-feira (16), em Salvador, e há mais de 20 anos contava apenas com as fitinhas produzidas em São Paulo. Além da conquista de ter as fitinhas genuinamente baianas, a festa que reúne milhares de baianos e turistas na Colina Sagrada, ganha o título de Patrimônio Imaterial Nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Devoto, este ano Moisés vai cumprir uma promessa. De acordo com ele, o pedido ao Senhor do Bonfim foi para que as fitas voltassem a ser produzidas na Bahia. “Eu prometi que entregaria mil delas no dia da lavagem e assim vou fazer. O povo aqui não diz que se o pedido for atendido vai fazer um caruru de mil quiabos? Então, minha promessa será de mil fitas”, brinca. “Eu mesmo quero entregar e colocar no braço das pessoas”, completa. As outra nove mil unidades serão comercializadas a R$ 1 por integrantes da cooperativa, explica.
A motivação da promessa, segundo ele, foi a “chacota” das pessoas com relação à autenticidade da fita. “Muitos me diziam: essa fita vem da China, só pelo fato dela não ser produzida aqui na Bahia. Isso me incomodava. A promessa foi uma questão de baianidade e devoção ao maior amuleto da Bahia, que era feito em São Paulo”, conta o coordenador da cooperativa.
Segundo Moisés, essa foi a maior promessa que ele fez para o Senhor do Bonfim. “Nunca fiz algo parecido. A promessa é importante, mas a devoção é maior. Jamais deixei de participar dessa festa. Uma vez estava na Espanha e não tinha voo direto para o Brasil, então eu fui para Milão, depois para Natal, peguei um ônibus e segui para Recife. Por fim, peguei um avião para Salvador. Demorei três dias viajando e quando cheguei aqui [Salvador], às 6h, já estava na hora da festa”, conta Moisés em tom de brincadeira.
Produção das novas fitas do Bonfim (Foto: Maiana Belo/G1 Bahia)Produção das novas fitas do Bonfim é feita de forma manual na Bahia (Foto: Maiana Belo/G1 Bahia)
Produção
As novas fitinhas são apenas brancas, a frase escrita é colorida e possuem 47cm, o que corresponde ao comprimento do braço direito da estátua do Senhor do Bonfim, que fica no altar da igreja. Diferentemente das outras, que eram sintéticas, tinham 38 centímetros e eram feitas em produção industrial em São Paulo, essas são feitas completamente a mão.
Nova fitinha do Bonfim é apresentada em Salvador (Foto: Ruan Melo/G1)Nova fitinha do Bonfim é apresentada em Salvador
(Foto: Ruan Melo/G1)
Uma outra diferença é que as fitinhas baianas são mais "frágeis". "Quando você amarra, ela parte. Não dura para sempre. Agora seus desejos podem se tornar realidade", brinca.
O trabalho é manual e feito por nove integrantes da cooperativa, entre eles, Moisés. “Aqui na cooperativa produzimos muitas coisas como velas, santinhos, terço, fitinhas entre outros. Temos 43 integrantes e nove pessoas fazem apenas as fitas. Muitas pessoas que trabalham aqui ficaram desempregadas com a introdução de certas máquinas para realizar o trabalho em outros locais. Então, como aqui o trabalho é manual, perguntei se elas queriam vir pra cá”, conta Moisés.
Para produzir as novas fitas, os integrantes da cooperativa recebem os rolos da fita branca e mandam para o padre benzer. Depois, cortam em 47 cm e colocam uma ao lado da outra. Em seguida, põe o molde vazado com a frase “Lembrança do Senhor do Bonfim da Bahia” em cima das fitas, coloca tinta e limpa.
No período de cinco horas, a cooperativa produz cinco mil fitas do Bonfim, que são vendidas em hotéis, navios e nas ruas de Salvador por R$ 1. “Se ficarmos produzindo o dia inteiro, conseguimos fazer 10 mil fitas”, conta Moisés.
Novas fitas brancas do Bonfim com frase escrita em vermelho  (Foto: Maiana Belo/G1 Bahia)Novas fitas brancas do Bonfim com frase escrita em vermelho (Foto: Maiana Belo/G1 Bahia)
Crença
Segundo Moisés, o pai dele sempre foi devoto do Senhor do Bonfim e passou a mesma herança cultural. “Com quatro anos de idade, eu fiz o percurso do cortejo em cima das costas do meu pai. Ele já fazia as fitinhas do Bonfim, mas só entregava às pessoas no dia da lavagem, lá na igreja [do Bonfim]”, relata.
Com o filho de Moisés não foi diferente. Quando o garoto ainda tinha quatro anos, Moisés o levou para a festa. Ele faz questão de passar essa herança cultural, não apenas para os filhos, mas também para todos que ainda não conhecem as histórias religiosas e culturais da Bahia.
Ainda de acordo com Moisés, a tradição da fita também foi passada pelo pai dele, que pegava o pano de algodão inteiro, pintava com o molde vazado e depois cortava uma por vez. “Essas, sim, são as verdadeiras fitinhas do Bonfim, de algodão. Tenho uma tia que corta isso como ninguém, não deixa um fiozinho saindo”, disse o coordenador sobre a devoção da família ao Senhor do Bonfim.
Novas fitinhas são brancas, menos resistentes e custam R$ 1 (Foto: Ruan Melo/G1)Novas fitinhas são brancas, menos resistentes e custam R$ 1 (Foto: Ruan Melo/G1)

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