MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Governo da presidente Dilma Rousseff perdoa dívidas com finalidade eleitoral



Contraponto
Edição 2010 de 12 a 18 de janeiro de 2014
Irapuan Costa Junior
Aécio Neves e Eduardo Campos: os pré-candidatos da oposição assistem silentes o Estado financiando o projeto eleitoral da presidente Dilma Rousseff
 
Três decretos presidenciais, assinados no dia 27 de dezembro e publicados no último dia útil do ano passado, têm tudo das coisas suspeitas. Os decretos federais 8.177, 8.178 e 8.179 tratam, a rigor, de um só assunto: perdão de dívidas assumidas por mutuários (de assentamentos, principalmente) ao abrigo dos programas da Agricultura Familiar e da Reforma Agrária (Pronaf, Proger Rural Familiar e Procera). Apenas na aparência são medidas justas e benéficas.
É estranho que a concessão desses benefícios tenha se dado no apagar das luzes de 2013 e no acender daquelas do ano eleitoral de 2014. Os perdões recuam a uma década ou mais. Com efeito, os decretos contemplam perdão de dívidas do Pro­cera desde seu início, em 1989. No caso dos outros programas, recuam até 2003. A falta de pagamento nesses financiamentos vem de longe. Existem vários estudos (inclusive do Ministério da Econo­mia) sobre a elevada inadimplência nos programas mencionados, muitas vezes mascarada pelas sucessivas renegociações, permitidas pelo governo.

Uma crítica séria desse sistema está em trabalho do economista Gervásio Castro de Rezende, feito para o Ipea em 1999. A própria formulação paternalista e eleitoreira desse tipo de financiamento, diz Gervásio, dá ao mutuário a visão de que não é para ser pago. Por que então, só agora, às vésperas das eleições, se toma atitude de grande alcance do ponto de vista financeiro, mas que é totalmente omissa quanto à correção das distorções? 

Estima-se que o benefício, no fundo uma doação de dinheiro público pura e simples, atinja ao menos 200 mil privilegiados diretos e implique em quase R$ 3 bilhões em renúncia financeira (o jornal “O Estado de S. Paulo” fala em até 800 mil mutuários enquadrados). Poderíamos falar em mais de 500 mil apaniguados, diretos e indiretos, satisfeitos com o governo federal por mais uma benesse dirigida, e prontos a pagá-la com votos.

Como a medida traduzida nos decretos está diretamente voltada para a base de apoio do PT, inclusive privilegiando o Nordeste, fica mais evidente ainda que se trata, de fato, de uma ação de reforço eleitoral. Até porque também foram assinados decretos, na mesma data, desapropriando, para fins de assentamento, dezenas de propriedades rurais, em vários Estados. Tudo feito em uma época de festejos de fim de ano, quando menos repercutem as ações governamentais na imprensa. Na oposição, não repercutem em qualquer época, infelizmente.

Cabem críticas não apenas aos decretos, vistos como preadores de votos. Há toda uma ciranda de doações para aplacar a violência dos sem-terra. No caso dos assentados, dá-se a terra, a infraestrutura e muitas vezes a cesta básica, o que significa que a produção é nesses casos negativa. Dá-se ainda um financiamento, que visivelmente não será pago. Muitas vezes, é desviado de sua finalidade e usado para compra de bens que nada têm a ver com a produção rural. Como é deficiente o controle sobre os assentamentos, e nada há nos decretos que promova uma melhoria nesse sistema, as vantagens ficam mesmo só para os assentados beneficiados com o dinheiro público e para o governo beneficiado com os votos. Todo o restante da sociedade comparece apenas para pagar a conta que não deve, com seu suado dinheirinho. No caso dos decretos citados, o perdão torna adimplente quem não pagou, permitindo novos empréstimos — que também não serão pagos, perpetuando o calote.

Como vários desses mútuos são feitos com recursos dos Fundos Constitucionais de Desenvol­vi­mento Regional (FNO, da Região Norte, FNE da Região Nordeste e FCO, da Região Centro-Oeste), caberá a esses Fundos, pelos decretos, absorver os prejuízos decorrentes do perdão financeiro. Os fundos serão desfalcados de recursos preciosos, já escassos para financiar empreendimentos sérios e produtivos, muitas vezes do mesmo porte de um financiamento de um assentado. Um pequeno empresário rural, mutuário do FCO, que paga religiosamente seu empréstimo, e trabalha duro para viabilizar seu negócio, não terá complacência do Banco do Brasil, se atrasar em um dia o pagamento de uma parcela de seu contrato. Enquanto isso, um seu quase vizinho assentado, que praticamente não trabalha, tem perdoada a dívida que não honrou — e ainda recebe uma cesta básica. E mais, outro assentado, pontual no cumprimento de suas obrigações, que durante anos quitou suas dívidas, verá esse prêmio entregue à ociosidade e incompetência de seu vizinho caloteiro.

A prática da reeleição permite ao ocupante do governo uma enorme gama de manobras legais, mas injustas e imorais — como a desses decretos – manejando quase que a seu bel-prazer dinheiro público e captando votos, coisa que a oposição não tem como contrapor. Eis porque é tão difícil derrotar um presidente, um governador ou prefeito que se empenhe em uma reeleição. Tanto mais difícil quanto menor o escrúpulo nesse manejo, inaugurado por Fernando Henrique Cardoso e adotado, alegremente, por Lula e Dilma.
VERDADE SUFOCADA

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