MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 31 de janeiro de 2015

Grécia: entenda a crise e conheça o novo governo


O guia definitivo para entender, com perguntas e respostas, a crise da Grécia e o novo governo de esquerda do Syriza. Por Gianni Carta
por Gianni Carta publicado CARTA CAPITAL
LOUISA GOULIAMAKI / AFP
Tsipras-Syriza
Tsipras entre apoiadores do Syriza, no último domingo 25

Em meio à maior crise econômica de sua história, os gregos foram às urnas no último domingo 25 e colocaram o país nas mãos de Alexis Tsipras, líder da legenda radical de esquerda Syriza. A partir das perguntas e respostas abaixo, entenda de forma simples e direta a dimensão da crise grega, quem é Tsipras e seu partido, o Syriza, e quais são as implicações para o povo grego e a Europa em geral com a ascensão da esquerda radical ao poder no país:
Como explicar a crise na Grécia?
A crise teve início com a recessão, seis anos atrás. Os socialistas (Pasok) cederam a uma política econômica de austeridade imposta pela chamada “troika” (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional). Assim, obtiveram 110 bilhões de euros em 2010. No entanto, a situação do povo é desastrosa. Déficits públicos, desemprego, pobreza, queda de produtividade etc. No plano político, um dos resultados foi a demissão do premier socialista George Papandreou, do Pasok, a legenda dominante no pós-Segunda Guerra Mundial. Papandreou, filho de Andreas Papandreou, fundador do Pasok, deixou o cargo em novembro de 2011. O governo conservador do ex-primeiro-ministro Antonis Samaras, da Nova Democracia, em coalizão com o Pasok, continuou as reformas draconianas para manter a Grécia na Zona do Euro. Samaras achava que o programa de austeridade eventualmente renderia frutos. Não foi o caso. Eis um motivo importante: a taxa de juros tem sido mais elevada do que a de crescimento. Por essas e outras, Alexis Tsipras, líder da legenda radical de esquerda Syriza, venceu as legislativas de domingo 25. A prioridade do premier Tsipras é renegociar a dívida com os credores internacionais, e pôr um fim na política de austeridade.
A crise grega é mesmo assim tão profunda? Quais são os números que a comprovam?
Comecemos pela dívida. Após o já citado primeiro empréstimo de 110 bilhões de euros em 2010, houve um segundo, em março de 2012, de 130 bilhões de euros. Portanto, a dívida é de 240 bilhões de euros, ou 175% do PIB. No entanto, após cinco anos de empréstimos da troika à Grécia ficou claro que o programa de austeridade não funciona. A Grécia sofreu uma queda de produtividade de 25%, tem um nível de desemprego de 26% –entre 25 e 35 anos chega a 50%. Mais de 30% da população está mergulhada na miséria. E os impostos, inclusive o IPTU, têm um enorme impacto na classe média.
O Syriza tem maioria no Congresso para implementar suas medidas?
Sim, o Syriza tem maioria no Congresso. Surpreendeu como Tsipras forjou uma aliança com tamanha velocidade. E eis outra surpresa: o partido radical de esquerda angariou 36,3% dos votos, e, graças ao “bônus” de 50 assentos garantidos ao primeiro partido pela lei eleitoral da Grécia, obteve 149 cadeiras. Com esse resultado, precisava de apenas duas para obter uma maioria absoluta. Para obter mais de 151 cadeiras, forjou uma aliança com os Gregos Independentes (Anel), que obtiveram 13 assentos. Trata-se de uma legenda direitista e populista. Numerosos eleitores ficaram decepcionados com a escolha, mas ambas legendas lutam contra a austeridade, e querem renegociar a dívida. Embora as agremiações não tenham afinidades ideológicas, Tsipras foi hábil na escolha. E, mais uma vez, revelou seu pragmatismo.
Com a vitória do Syriza, há chances reais de a Grécia melhorar sua situação?
O voto no Syriza foi de protesto. Tratou-se de um referendo contra a austeridade, para que a economia possa, assim, ser relançada. Embora sejam atraentes as propostas da legenda radical de esquerda, numerosos eleitores da sigla sabem que várias delas não serão cumpridas. O objetivo-mor de Tsipras é conferir maior poder aquisitivo ao povo. Por exemplo, o premier diz que vai aumentar o salário mínimo de 580 para 750 euros por mês. Oferecerá 13º salários para aposentados que recebem menos de 700 euros mensais. Introduzirá isenções ficais, e políticas de bem-estar para os menos favorecidos. Abolirá a Enfia, o IPTU, o que levou cidadãos de classes mais endinheiradas a votar em Tsipras.
Essas medidas têm um preço, especialmente em um país que não consegue quitar suas dívidas.... como resolver essa equação?
De fato, o preço é alto: 12 bilhões de euros. Ademais, desde o final de 2014 a Grécia espera uma fatia de ajuda financeira dos credores internacionais no valor de 7,2 bilhões de euros. Como se isso não bastasse, terá de reembolsar 4 bilhões de euros aos credores europeus até março, e mais 8 bilhões de euros até julho e agosto. Stan Draenos, analista político e biógrafo de Andreas Papandreou, disse a CartaCapital que Tsipras pretende usar “dinheiro que não existe”. No entanto, o economista Georges Stathakis disse ao vespertino Le Monde que o governo receberá 6 bilhões de fundos europeus, e mais 3 bilhões de euros oriundos da luta contra a fraude fiscal. Segundo Stathakis, agora no novo gabinete de Tsipras, não será difícil levantar os restantes 3 bilhões de euros. Todos esses cálculos, é claro, dependem da negociação da dívida.
Como o novo governo negociará a dívida, e quais são os maiores obstáculos?
Tsipras é habilidoso. Diz, por exemplo, estar em busca de um compromisso, não de um confronto. O premier quer, afinal, que a Grécia continue na Zona do Euro. Os credores dizem que não haverá amortização da dívida, mas algumas vozes da troika já falam em uma possível reestruturação. Dois ministros europeus consideram uma extensão das parcelas de pagamentos da dívida. Neste ano, a Grécia terá de desembolsar 20 bilhões de euros. É importante observarmos como se comportaram os líderes europeus para avaliar com quem Tsipras lidará. Por exemplo, embora prudentes, o presidente francês, François Hollande, e o premier italiano, Matteo Renzi, estiveram entre os primeiros a parabenizar Tsipras. Tanto Hollande quanto Renzi querem servir de mediadores entre a esquerda e a direita europeia. Outros líderes, e em primeiro lugar a chanceler conservadora alemã Angela Merkel, estão inquietos. No início deste mês de janeiro, Merkel disse ao semanário Spiegel que não seria uma “catástrofe” se a Grécia deixasse a União Europeia. Após a vitória de Tsipras a chanceler alemã observou: “Toda nossa política visa a permanência da Grécia na Zona do Euro”. No entanto, observadores sabem que, nas negociações, Merkel será inflexível.
Caso a Grécia decrete o calote da dívida, o país não pode sofrer sanções? Não é pior para a população?
A maior sanção seria a saída da Grécia da Zona do Euro, e da União Europeia. Um calote de Atenas significaria se isolar de outros mercados europeus. Mais: o país não teria acesso aos mercados financeiros. Isso sim seria uma catástrofe, inclusive para o povo grego.

Syriza-tsipras
O novo premier chega para seu primeiro dia de trabalho, na última quarta-feira 28
O Syriza é comunista, bolivariano, ou algo assim?
Em língua grega Syriza é acrônimo para Coalizão da Esquerda Radical. Criada em 2004, a sigla aglutina formações de diferentes inclinações esquerdistas. Na verdade, o partido central para a formação do Syriza foi a sigla Synapismos, também formado de movimentos esquerdistas e ecológicos. Tsipras, vale lembrar, foi o líder da ala jovem do Synapismos. O Syriza, como diz o nome, é de esquerda radical. Em suma, rema contra uma política de austeridade em uma economia de mercado. Acredita que o Estado deva intervir na economia, que não seria regulada pela “mão invisível”. No entanto, se Tsipras quiser continuar na Zona do Euro, ele não poderá ser o líder do único país de inspiração Keynesiana no mercado livre a reinar na União Europeia. Tsipras está se revelando mais social-democrata do que radical de esquerda, e, portanto, mais próximo de Renzi, o primeiro-ministro italiano. Por essas e outras, tem dificuldades em lidar com cerca de 30% de filiados do Syriza contrários a deixar a Grécia na Zona do Euro. Vale anotar que Tsipras deu o nome a um de seus dois filhos de Orphée-Ernesto, uma homenagem a Ernesto Ché Guevara.
A vitória do Syriza na Grécia pode ajudar em outros bons desempenhos da esquerda Europa afora?
Sem dúvida. O Podemos, também esquerdista radical na dianteira nas legislativas de fim de ano na Espanha, ficou mais motivado. O partido de Pablo Iglesias, de 36 anos, já superou o lendário Partido Socialista (PSOE). O premier espanhol Mariano Rajoy tem razões para estar preocupado com a vitória do Syriza. Na Alemanha, o partido de esquerda radical Die Link, líder de uma aliança no estado da Turíngia, parabenizou Tsipras. Embora não seja muito popular na França, o fundador da Frente de Esquerda, Jean-Luc Mélenchon, disse ao saber da vitória do Syriza: “Somos todos gregos nesta noite”. O Partido Comunista Francês também parabenizou Tsipras.
A extrema-direita pode se fortalecer em resposta ao Syriza?
E como. A Aurora Dourada, partido de extrema-direita grego, obteve 17 cadeiras, ou o terceiro lugar no pleito de domingo 25. Empatou com o To Potami (O Rio), de centro-esquerda e pró-europeu. A Aurora Dourada perpetra uma violência inaudita contra imigrantes. Vários de seus líderes estão na cadeia, inclusive o presidente da sigla, Nikos Michaloliakos. E mesmo com uma campanha fraca, por falta de liderança, a legenda obteve o terceiro lugar. Por sua vez, Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, na França, apoiou o Syriza. Isso a despeito do fato de Tsipras querer permanecer na Zona do Euro, e Le Pen querer cair fora. Seria uma contradição? Nada disso, sustenta Le Pen. “Trata-se de o povo reassumir a luta contra o totalitarismo da UE.”
Há algum paralelo entre a situação na Grécia e o Brasil ou entre o Syriza e alguma agremiação política brasileira?
O paralelo, no sentido econômico, seriam aqueles anos em que o Brasil teve de negociar com o FMI. No entanto, embora o governo grego tentará negociar com a troika como o brasileiro fez com o FMI, existe uma grande diferença: a Grécia faz parte de uma comunidade chefiada por líderes favoráveis ao mercado livre. Portanto, Tsipras não terá de negociar somente com o FMI, mas também com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu, e com líderes inflexíveis como Angela Merkel. Quanto aos partidos, não há ainda no Brasil um partido de esquerda radical com um líder que possa chegar aonde chegou Tsipras. E nem um partido esquerdista com a estrutura do Syriza. O Partido dos Trabalhadores pode ter sido uma formação mais moderada a aglutinar diferentes inclinações esquerdistas, mas nunca foi radical. E agora, sob Dilma Rousseff, adotou uma política neoliberal. Ademais, a ascensão do Syriza, fundado em 2004, foi meteórica. A do PT foi mais lenta.

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