Se 2016 foi um ano para ser esquecido, 2017 não deverá trazer um alento. No âmbito político, o esperado é a extensão da atual crise e um avanço da Operação “Lava Jato”. Até mesmo a permanência do presidente da República, Michel Temer, é uma incógnita. Na economia, os próximos 12 meses deverão ser de mais arrocho, desemprego e baixo crescimento.
“Dois mil e dezessete vai ser como um remédio ardido em busca de cura. Tomara que não sintamos saudades de 2016 e que passe rápido”, resume o diretor de economia da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Andrew Storfer.
O tom negativo em plena véspera de um novo ano tem várias justificativas. Uma delas é a perspectiva de alto índice de desempregos para 2017. Como as demissões são as últimas ações de uma empresa em crise, o efeito tende a ser um pouco retardado. Dessa forma, os empresários que começaram a sentir mais tarde os efeitos da crise em que o país está mergulhado ainda deverão reduzir o quadro de funcionários.
O “remédio ardido em busca de cura” citado pelo economista são as medidas fiscais que estão sendo adotadas pelo governo de Michel Temer. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC 55), de limitação dos gastos do governo, repercutirão pelos próximos vinte anos, mas os impactos começarão em 2017.
“Em um primeiro momento haverá menor contratação e gastos por parte do governo federal e obviamente sentiremos os impactos. Mas, espero eu, no futuro a medida vai ser positiva para o país”, afirma Storfer.
O esperado é que o arrocho chegue com intensidade aos estados e municípios em 2017. A primeira tentativa do governo federal de impor aos estados um ajuste fiscal severo foi barganhando uma renegociação da dívida. Temer enfrentou a barreira de governos, como o de Minas Gerais, que não aceitaram parte das contrapartidas como congelamento dos salários de servidores e das contratações.
“Eu creio que o governo federal não percebeu a gravidade da crise nos estados brasileiros. Nós vamos continuar dialogando com o governo federal, buscando achar caminhos que possam ajudar as exigências descabidas. Aquilo que fere os direitos dos servidores públicos não podemos aceitar”, comentou nessa semana o governador de Minas, Fernando Pimentel.
Os analistas de mercado também não apostam em um ano brilhante. A cada semana, as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, apresentadas no Boletim Focus, do Banco Central, diminuem. No último, divulgado segunda-feira passada, o esperado era um crescimento de 0,5%. Mas, se não houver uma resposta positiva da economia, a tendência é a projeção cair ainda mais.

Indústria aposta em melhora do setor só no último trimestre

O clima esperançoso, que normalmente toma os brasileiros às vésperas do Ano Novo, não chegou aos empresários mineiros. Representantes de setores-chave para a economia preveem mais um ano difícil.
“O novo ano deveria ser o renascimento de uma esperança. Mas já sabemos que não será bom para a indústria”, afirma o vice-presidente de Política Econômica e Industrial da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Lincoln Gonçalves.
Ele explica que, por mais que haja uma possibilidade de arrefecimento da inflação, redução dos juros e retomada do crédito, os resultados não são imediatos. “A melhora é lenta e só deveremos começar a sentir reflexos positivos no último trimestre do ano”, afirma. Como, para a maioria dos segmentos industriais, o fim do ano é mais fraco, os empresários do ramo aguardam a chegada de 2018 para comemorar.
O comércio também não deverá reagir de imediato. “Os comerciantes entram o ano receosos quanto ao desempenho do setor. O que existe é uma enorme interrogação”, afirma o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Bruno Falci.
O sentimento negativo quanto a 2016 tem forte fundamento econômico. Já em janeiro, o Índice de Confiança do Empresário Industrial (ICEI) do Estado, medido pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), estava em desanimadores 32,5 pontos, o pior resultado da história para o primeiro mês do ano. Naquela época, a justificativa para o pessimismo eram as incertezas nos cenários político e econômico.
O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro mostrou que o pessimismo tinha razões concretas. Logo no primeiro trimestre houve uma queda de 5,4% frente ao mesmo período do ano anterior. Os resultados negativos foram repetidos no segundo trimestre (-3,6%) e no terceiro trimestre (-2,9%), conforme dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
Como resposta ao desempenho negativo, as empresas partiram para o corte de empregados. O número de pessoas que perderam o emprego bateu a casa dos 12,1 milhões entre janeiro e novembro, também de acordo com o IBGE.
Enquanto os indicadores econômicos passavam por uma deterioração, a ex-presidente, Dilma Rousseff, sofria pressões políticas e populares para deixar o cargo. Até que, em maio, foi afastada. O novo presidente, Michel Temer, tenta desde então impor no país medidas como Reformas Trabalhista e Previdenciária, além de imposição do teto dos gastos. Porém, segue sem resultados práticos na economia.
Respingos das delações da Odebrecht podem atingir presidente Temer em 2017
Os acontecimentos que sacudiram o cenário político em 2016 vão repercutir diretamente no ano que se inicia. Se o impeachment e os desdobramentos da operação “Lava Jato” viraram de ponta-cabeça a República a ponto de criar uma crise institucional entre os três poderes, o risco de novas delações derrubarem o chefe do Executivo nacional continua vivo na avaliação de especialistas.
Além do julgamento dos processos que pedem a cassação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), há nada menos do que 77 delações de executivos da empreiteira Odebrecht em posse do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo o ministro Teori Zavascki, relator dos processos da “Lava Jato”, os trabalhos serão retomados logo no início de janeiro com previsão de homologação até a volta do recesso em fevereiro.
Para o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, a operação continuará criando embates entre a classe política em 2017 pelo próprio volume de processos e investigações em curso.
“Eu não vejo um fim da ‘Lava Jato’ em 2017 porque os processos são muitos e nem é possível julgar tudo em um ano. A questão é como fazer esse combate à corrupção. Se você passa por cima das liberdades e garantias individuais, você tem prejuízos graves. São conquistas que às vezes são deixadas de lado na busca de uma messianismo qualquer”, avalia Kakay.
O advogado ressalta, ainda, que as delações têm uma finalidade importante de combater o crime organizado, mas não podem ser usadas de forma indiscriminada. “Não se pode imaginar que essas 77 delações estejam todas com o requisito da voluntariedade presente. Há um uso indevido desse instrumento que leva a excessos, mas certamente o impacto vai ser muito grande”, avalia.

Crise
A fragilização dos poderes Executivo e Legislativo diante de denúncias e escândalos abriram caminho para que o STF ganhasse protagonismo no país. A queda de caciques como o peemedebista Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, demonstrou que a força-tarefa para combater a corrupção havia chegado a um patamar inédito.
Na avaliação do cientista político Oswaldo Dehon, os episódios vistos em 2016 apontam para a continuidade de uma conjuntura política extremamente conturbada, com investigações ainda mais aprofundadas.
“Há um potencial muito grande de que as delações afetem todo o sistema político. Isso já estava anunciado desde 2013. O que se espera é que a corrupção não seja tratada apenas como uma herança dos governos Lula e Dilma e seja investigada a fundo”, explica.
Perspectivas