O premier socialista Antônio Costa |
A minha
reação inicial ao inferno da estrada de Pedrógão Grande foi de
compreensão. Seria prioritário salvar o que ainda havia para proteger e
evitar as acusações e as culpas. Mas, entretanto, passou uma semana e
muita informação veio a público. A compreensão foi substituída pela
indignação e até pela raiva. Não se consegue entender como foi possível
que 64 pessoas morressem daquela maneira numa via pública. Nenhuma
explicação convence. Só há uma conclusão. O Estado português é incapaz
de proteger a vida dos portugueses perante acidentes como o do incêndio
de Pedrógão Grande. É um facto. O resto não passa de conversa.
Mas o
que mais me irritou foi a total falta de respeito que o Governo mostrou
pelos portugueses. Passou-se uma semana e ainda não ouvi um responsável
político assumir responsabilidades ou pedir desculpas aos portugueses.
Nada. Temos assim um Estado irresponsável. Se perante uma tragédia
destas, não há responsáveis, então somos governados por irresponsáveis.
Comparem a actuação do primeiro-ministro português com a resposta da
chefe do governo britânico, Theresa May, perante uma tragédia
semelhante. Na primeira vez que foi ao Parlamento britânico depois do
incêndio numa torre de habitação em Londres, May pediu desculpa aos
britânicos. E pediu desculpa onde deve fazê-lo. Na sede da democracia
britânica: o parlamento.
Como
escreveu muito bem o Rui Ramos, os responsáveis políticos devem um
pedido de desculpas aos portugueses. Deve ser António Costa a fazê-lo e
na Assembleia da República, perante os representantes do povo português.
Se não o fizer, mostra que não está à altura das funções que exerce. É
muito simples. Os eleitos têm responsabilidades perante os eleitores. O
governo serve os portugueses. Não são os portugueses que servem o
governo. Quem não entende isto, não percebe nada do que é um regime
democrático e está a prejudicar a democracia nacional.
Mas
desconfio que o que se passa é ainda pior. Há a sensação que o Governo
está a esconder informação e não está a contar tudo o que se passou. É
mais uma vez a táctica do costume. Partilhar apenas a informação que não
pode ser escondida. Protegerem-se atrás de “inquéritos para apurar toda
a verdade”. Apurar toda a verdade? Morreram 64 pessoas numa via
pública. O que querem apurar ainda mais? E, obviamente, ganhar tempo
para as pessoas acabarem por esquecer. Os assessores de imprensa dizem
aos seus patrões políticos que as notícias têm um pico e um ciclo,
depois passam e chegam outras notícias. O fundamental é aguentar o
período difícil. Respeito pelos portugueses e pela verdade, mesmo
perante uma tragédia? Isso não interessa. O importante é salvarem-se e
se possível não perder muita popularidade. No limite, arranjam-se uns
bodes expiatórios para serem demitidos (ou pedirem a demissão) e
carregarem com as culpas.
Como não
podia deixar de ser, no meio desta irresponsabilidade geral, não
faltaram os apelos do PM à “unidade nacional”. Perante uma crise, os
instintos do Estado Novo surgem imediatamente. Salazar também pedia a
“unidade nacional” perante a guerra colonial. Em democracia, não há
unidades nacionais. Há escrutínio por parte da oposição. E se for
necessário há críticas e pedidos de responsabilidade, por mais que isso
custe. O que se passa hoje em Portugal é uma questão de qualidade da
democracia portuguesa. O que aconteceu em Pedrógão exige apenas o
seguinte comportamento por parte do governo e do PM: respeito pelos
portugueses e responsabilidade perante o cargo que se ocupa. Costa ainda
não mostrou nenhuma dessas exigências. Se não o fizer, esperemos que o
Presidente da República o chame à atenção. É a obrigação da mais alta
autoridade da democracia portuguesa. E se ele não cuidar da democracia,
como se tem visto, ninguém o fará.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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