Desigualdade
não é pobreza, escreve o economista Juan Ramón Rallo. E distribuir
renda não é distribuir riqueza, mas miséria. Artigo publicado no
Instituto Mises Brasil:
Dentro
do imaginário coletivo, os conceitos de "pobreza" e "desigualdade" se
tornaram sinônimos: se há pobres é porque somos desiguais; se a
desigualdade aumenta é porque aumentou a pobreza.
Esta
mentalidade tende a ser reforçada durante períodos de recessão
econômica: quando as rendas agregadas da sociedade (o PIB) entram em
contração, a economia passa a ser vista como um jogo de soma zero, ou seja, se a renda de uma pessoa aumentou é porque a renda de outra inevitavelmente caiu.
Porém,
as recessões econômicas não duram para sempre, e o fato é que a economia
de mercado se mostrou capaz, ao longo dos últimos 200 anos, de aumentar
a renda de todos os cidadãos. Segundo as estatísticas compiladas pelo
economista britânico Angus Maddison, passamos de uma renda per capita
mundial de 1.130 dólares por ano em 1820 para uma de 15.600 em 2015. E
isso ao mesmo tempo em que a população global aumentou de 1 bilhão de
pessoas para 7 bilhões. (Veja o estudo. Confira também este vídeo).
Igualmente, em 1820, aproximadamente 95% da população mundial vivia na pobreza, com uma estimativa de que 85% vivia na pobreza "abjeta". Em 2015, menos de 10% da humanidade continua a viver em tais circunstâncias.
Ou seja,
não só o número de habitantes no mundo aumentou 7 vezes, como ainda
cada habitante aumentou sua renda em 11 vezes. Isto é uma façanha
extraordinária.
Este
fato, por si só, mostra como estão errados aqueles que dizem que toda a
riqueza do mundo já está dada e deve apenas ser "redistribuída
justamente". Se toda a riqueza do mundo já estivesse dada, devendo
apenas ser redistribuída, seria impossível que a renda per capita e a
população mundial aumentassem simultaneamente. O que ocorreria é que
algumas pessoas aumentariam suas rendas à custa de todas as outras, e a
renda per capita permaneceria constante — aliás, cairia, por causa do
aumento do número de indivíduos.
Que
tenhamos conseguido multiplicar por 11 a renda per capita do conjunto de
habitantes do planeta (e por 20 em alguns países ocidentais, como os
EUA) ilustra claramente que a economia não é um jogo de soma zero. E,
principalmente, que desigualdade não é o mesmo que pobreza.
Uma
sociedade pode ser muito igualitária e muito pobre. Ou bastante desigual
e rica. Albânia, Bielorrússia, Iraque, Cazaquistão, Kosovo, Moldávia,
Tajiquistão e Ucrânia são sociedades que apresentam uma distribuição de
renda muito mais igualitária que a da Espanha, mas são muito mais
pobres. Por outro lado, Cingapura é uma sociedade muito mais desigual
que a Espanha, mas apresenta uma renda per capita maior em todos os
quintis da redistribuição de renda.
A Etiópia, cujo coeficiente de Gini — indicador
que mensura a desigualdade; quanto mais próximo de 1, mais desigual é
um país — é de 29,6 e o Paquistão (30) são mais igualitários que a
maioria dos países desenvolvidos, como Austrália (35,2), Coréia do Sul
(31,6) e Luxemburgo (30,8) e Canadá (32,6).
Tajiquistão
(30,8), Iraque (30,9), Timor Leste (31,9), Bangladesh (32,1) e Nepal
(32,8) são mais igualitários que Bélgica (33), Suíça (33,7), Polônia
(34), França (35,2), Reino Unido (36), Portugal (38,5), Estados Unidos
(40,8), Cingapura (42,5) e Hong Kong (43,4).
Já o Afeganistão (27,8) é uma das nações mais igualitárias do mundo.
Por
isso, o objetivo primordial de qualquer pessoa preocupada com o
bem-estar alheio deveria ser o de aumentar a renda total de cada
indivíduo, e não reduzir as diferenças de renda entre cada indivíduo.
O bem-estar de um indivíduo está estritamente relacionado com seu nível de renda:
quanto maior a renda, melhor sua alimentação, maior seu acesso a bens e
serviços, maior seu acesso a bons serviços de saúde, maior seu acesso a
uma boa educação, maior o seu tempo de lazer etc. Por outro lado, como mostram as estatísticas, o bem-estar das pessoas não tem nenhuma relação com o grau de desigualdade da sociedade em que moram. Mais ainda: nem sequer há evidências de que a desigualdade prejudica o crescimento econômico e, por conseguinte, o aumento da renda de todas as pessoas.
Logo,
não faz sentido nem mesmo qualquer preocupação indireta para com a
desigualdade. É claramente preferível uma sociedade com rendas elevadas,
porém muito desiguais, a uma sociedade de rendas ínfimas, porém
igualitárias. Qualquer política econômica de bom senso deve visar ao
crescimento econômico inclusivo (ou seja, um crescimento que beneficie a
todos, ainda que em proporções desiguais), e não a uma redistribuição
de renda.
Redistribuir renda é redistribuir miséria
É claro
que, para algumas pessoas, o crescimento econômico global não é
desejável ou mesmo não é possível. Segundo elas, não podemos e não
devemos seguir explorando um planeta com recursos limitados (sobre essa
"exploração", vale ressaltar que tais pessoas não aceitam nem mesmo que
haja um aproveitamento mais eficiente dos recursos disponíveis por meio
do aumento da produtividade).
Para
tais pessoas, o objetivo é frear o crescimento econômico e redistribuir a
riqueza que já existe: nós não precisamos de mais, precisamos apenas
distribuir melhor.
O
problema é que apenas redistribuir a renda não tem nenhum efeito
duradouro sobre a pobreza mundial. Hoje, a renda per capita global é de
15.600 dólares. Isso significa que, caso houvesse uma imediata
distribuição igualitária de renda, conseguiríamos apenas fazer com que
cada cidadão passe a ter 15.600 dólares.
À
primeira vista, tal valor não parece pequeno. Uma família composta por
dois adultos e um menor desfrutaria de 46.800 dólares, aparentemente
mais do que a imensa maioria das famílias da Espanha, por exemplo. Mas o
erro deste cálculo é não entender os conceitos que realmente integram a
definição de renda per capita.
Em
primeiro lugar, 15.600 dólares representam aproximadamente a renda per
capita atual de países como Argélia, Bielorrússia, Botsuana, Brasil,
China, Costa Rica, República Dominicana, Iraque, Líbano, Montenegro,
Sérvia e Tailândia. Ou seja, se redistribuíssemos perfeitamente a renda
mundial, o padrão de vida de um europeu ou de um americano seria
reduzido ao nível desses países [e nós brasileiros, como um todo,
ficaríamos na mesma]. Trata-se de uma constatação nada esperançosa,
ainda que, em uma análise superficial, os 15.600 dólares por cidadão
pareçam bastante.
Em
segundo lugar, nem toda a renda per capita disponível pode ser
consumida: uma parte dela deve ser reinvestida de modo a garantir uma
geração de renda no futuro — se consumirmos toda a renda gerada por uma
colheita, não será possível investir para gerar uma nova colheita no
futuro.
Consequentemente,
se uma pessoa ganhar 15.600 dólares hoje e gastar em bens de consumo,
visando a aumentar seu bem-estar, rapidamente voltará a ser pobre. Terá
algum luxo momentâneo, mas não terá renda futura.
Nas
sociedades capitalistas, parte da renda reinvestida faz os capitalistas
garantirem suas rendas futuras. No entanto, se esta renda for
redistribuída entre todos, todos nós teremos de investir uma parte da
nossa renda para manter a mesma capacidade produtiva da sociedade.
Quanto deveríamos investir? O consenso é algo ao redor de 20% do PIB.
Assim, da renda per capita de 15.600 euros, somente 12.480 poderiam ser
consumidos.
Em
terceiro lugar, e este é o ponto crucial: após esta renda distribuída
ter sido consumida, não haveria como ocorrer novas redistribuições.
Afinal, de onde viria a nova renda a ser redistribuída? Vale lembrar que
não há mais ricos e pobres. Todos estão em igual situação.
Consequentemente, não haverá mais de quem tirar.
Logo, e
por definição, uma redistribuição de renda é algo que só pode ser feito
uma única vez. E, após a redistribuição, os contemplados estarão em
melhor situação apenas enquanto durar sua nova renda. Tão logo ela seja
consumida, tais pessoas voltarão ao estado de pobreza anterior. E pior:
com os empreendedores mais pobres, será muito mais difícil para tais
pessoas melhorarem de vida.
Em
quarto lugar, e complementando o terceiro item, em uma economia de
mercado, a riqueza dos ricos não está na forma de dinheiro guardado na
gaveta. Também não está em amontoados de bens de consumo dentro de suas
mansões. A riqueza dos ricos está majoritariamente na forma de meios de
produção: instalações industriais, maquinários, ferramentas,
edificações, estoques, ferramentas de produção, equipamentos de
escritório de uma fábrica ou de uma empresa qualquer.
Esses
meios de produção, além de tornarem o trabalho humano mais eficiente e
produtivo, produzem os bens e serviços que todas as pessoas consomem.
Mais ainda: esses meios de produção demandam o emprego de mão-de-obra, e
essa mão-de-obra é vendida pelas massas em troca de salários.
Quanto
maior a riqueza de empreendedores e capitalistas, maior será a produção e
a oferta de bens e serviços. Consequentemente, maior será a demanda por
mão-de-obra. Consequentemente, maior será o padrão de vida de todos.
Caso os
ricos sejam espoliados destas posses, todo o nosso bem-estar e toda a
nossa capacidade de auferir receitas via trabalho assalariado estarão
seriamente comprometidos.
Conclusão
Em suma,
dizer que a pobreza mundial se resolve com redistribuição de renda e
sem crescimento econômico é mentira. A única coisa que teríamos seria a
redistribuição da miséria.
O
problema atual do mundo não é a desigualdade, mas a pobreza que ainda
resta. Tanto nos países desenvolvidos, como nos países em
desenvolvimento, existem muitas pessoas pobres (embora o número seja cada vez menor).
A nossa prioridade deve ser tirá-los da pobreza e não universalizar suas carências.
Mais uma
vez, desigualdade não é pobreza: combater a desigualdade não acaba com a
pobreza e diminuir a pobreza não implica acabar com a desigualdade. É
imprescindível separar esses dois conceitos para não sermos enganados
pelos defensores do igualitarismo, os quais querem apenas redistribuir a
pobreza.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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