“Criança de hoje esqueceu como se brinca na rua”,
registra o eletricista Adilson Luiz da Silveira, com 44 anos que estão
sendo bem vividos agora, após matar a saudade de uma antiga brincadeira
dos tempos de infância.
Em sua casa no bairro Alto dos Pinheiros, região oeste de Belo
Horizonte, ele projeta carrinhos de rolimã de “última geração” para
competir com outros marmanjos que também resgataram o prazer de andar em
alta velocidade no asfalto.
Alta velocidade, sim senhor. “Dependendo do lugar, chegamos a
100km/h, como na Serra da Moeda. Chegamos a ultrapassar os carros,
deixando os motoristas incrédulos”, destaca Daniel Alves Pedra,
conhecido como o Destruidor.
“Ganhei esse apelido porque ‘meto o cacete’ no bicho. Se o carro
não for bom, ele quebra na minha mão”, salienta o motorista de
transporte escolar, 34 anos, que poderia muito bem estar num daqueles
filmes da série “Velozes e Furiosos”.
No lugar de carros, Daniel “turbina” os brinquedos com apetrechos
como injeção eletrônica e dois eixos direcionais. É um dos pilotos mais
rápidos de BH, nas categorias de longa distância, chamadas de “descidas
de serra”.
Os carrinhos, antes construídos com três pedaços de madeira, quatro
rolimãs e alguns pregos, transformaram-se radicalmente em sua versão
2.1. O prazer, porém, continua o mesmo, como se o (nem tão) rústico
veículo fosse o dono da rua.
Para quem quer começar agora na brincadeira ou relembrar o passado,
não precisa gastar mais de R$ 1 mil, investimento feito por Daniel num
carrinho que competirá nesse domingo numa prova nacional em Poços de
Caldas.
Adrenalina
Os próprios pilotos fazem questão de divulgar o esporte e emprestar
seus carrinhos, em eventos semanais realizados na Avenida João César de
Oliveira (aos domingos), em Contagem, e no bairro Salgado Filho. “Hoje
tenho 15 carrinhos em casa, mas já fiz um monte. O resto distribuí para
crianças carentes. Ela adoram e não só as mais humildes. Querendo ou
não, é um esporte que tem adrenalina. Qual criança não gosta disso?”,
pergunta Silveira.
Para o eletricista, o rolimã é “uma coisa antiga e nova ao mesmo
tempo”. As novas gerações descobrem, segundo ele, um prazer
desconhecido. “Rolimã é uma brincadeira de verdade”.
A atração pelos carrinhos cresceu tanto que hoje há várias equipes
espalhadas por BH É como se fossem escuderias de Fórmula 1, cada uma
buscando o título de a mais rápida. “A gente até ajuda os outros a fazer
(os carros). Gostamos de uma disputa ‘pau a pau’”, afirma Adilson.
Os pilotos veteranos gostam de incrementar, mas um bom carrinho não custa mais do que R$ 50, quando feito artesanalmente. Não basta o veículo, vale o alerta: as roupas protetoras são indispensáveis, como capacete, luvas, botas e coletes armaduras
Projeto social faz do carrinho de rolimã um aprendizado
A pedagoga Letícia Schneider era só uma curiosa, acompanhando a
filha Maria Eduarda, de 8 anos, nos muitos eventos de carrinhos de
rolimã espalhados pela cidade. Até que resolveu ‘pôr na linha’ um bando
de “ogros”, a partir da proposta de criação de um projeto social para a
atividade.
“Quando eu conheci os pilotos, um pessoal legal, sem qualquer
cerimônia, eu notei que eles precisavam de uma organização pedagógica.
Com muito custo fiz eles entenderem que, para lidar com crianças e
adolescentes, precisam de um projeto”, conta Letícia.
Segundo ela, para os pilotos, bastava chegar numa comunidade e
falar do esporte. “Não é bem assim. Afinal, você está mexendo com os
filhos dos outros. É preciso passar veracidade e confiança”, sublinha
Schneider, que, mesmo com a roupa de proteção, “morre de medo” de andar
nos carrinhos.
Estudar brincando
Assim, o campeonato de rolimã é apenas uma parte do projeto, que
leva a criança a aprender de uma forma divertida. Os participantes
estudam mecânica, física e matemática para compreender o funcionamento
dos carrinhos, aprendendo a usar material reciclado. “A gente acaba
contribuindo para a vida desse sujeito. Há também todo um contexto para
aproximar a família, como lanches e cestas básicas”, detalha a pedagoga.
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