O fantasma bolivariano. |
O kirchnerismo tenta
retornar com seu tango macabro, mas o presidente Maurício Macri está
conseguindo o impossível: recuperar prestígio e até votos. Texto de Vilma Gryzinski:
Dois mortos pairam
sobre a eleição de hoje na Argentina. De alguma maneira, eles também vão
votar. Como o paradoxo é uma situação permanente na Argentina, pode ser
que ambos saiam ganhando.
Vamos explicar. A
eleição renova uma parte do Congresso e não é absurdo que o presidente
Mauricio Macri, depois de ser dado por finado e enterrado politicamente,
consiga o impossível: ganhar a maioria para sua coalizão, chamada
Mudemos.
No começo do ano, com
menos dois anos de governo, iniciado com cortes, contenção e aumento do
desemprego, entre outros remédios amargos, Macri estava no chão.
Empresas em nome dele apareceram na “lista do Panamá” e até a classe
média que o apoiava parecia ter desistido.
Seria mais um da
lista de presidentes argentinos fracassados. Uma lista longa e
dramática, na qual se inclui o caso dos “cinco presidentes em onze
dias”, a sequência de sucessores que pegavam e largavam correndo a
batata fervente deixada em 21 de dezembro de 2001 por Fernando De la
Rúa, quando saiu de helicóptero da Casa Rosada. A Argentina tornava-se o
retrato acabado de país falido, em todos os sentidos.
Com esse histórico, a
recuperação da popularidade de Macri é nada menos que um milagre. Hoje
ele tem mais de 50% de aprovação, um espanto que as verbas públicas
generosas não explica, ou explica apenas em parte.
Segundo resumiu o
jornal espanhol El País, é como se a Argentina tivesse entrado numa nova
fase na qual todos os níveis do poder “o político, o empresarial, o
sindical e o regional concluíram que quem manda é Macri e assim será por
um longo tempo”.
O morto no caminho de
Macri, que a oposição tenta jogar no colo do governo, veio à tona
apenas dois dias antes da eleição de hoje. O caso de Santiago Maldonado
se tornou uma causa célebre, uma versão mil vezes ampliada do “Onde está
Amarildo?”, um episódio de brutalidade policial que ganha dimensão
política.
Maldonado era o que
se chamaria de hippie. Vivia de fazer artesanato e tatuagens num lugar
belo e afastado do interior. Aparentemente, envolveu-se numa
manifestação de índios mapuche. A Gendarmeria, que funciona como polícia
nacional, foi fazer uma desocupação de estrada no dia 1 de agosto.
Desde então,
Maldonado não foi mais visto. Num país como a Argentina, marcado pelo
“desaparecimento” de pelo menos dez mil pessoas durante a ditadura
militar, o caso ganhou enorme dimensão, com incidentes policiais,
jurídicos e, evidentemente, políticos.
A comprovação de um
crime policial prejudicaria Macri, apesar das constantes promessas de
punição exemplar. Para complicar, o corpo tirado do rio Chubut não tinha
marcas de agressões. Qual será a influência do caso na eleição de hoje?
O outro morto que
“vota” é Alberto Nisman, o juiz cujo suicídio, em 18 de janeiro de
2015, já foi contestado, investigado e reinvestigado, sem nenhuma
conclusão definitiva. A acusação por trás de todo o episódio: Nisman
iria comprometer gravemente o governo de Cristina Kirchner, que era a
presidente, por conluio com o Irã. Um acordo comercial por cima do pano e
dinheiro por baixo dele encerrariam o caso da AMIA, o atentado
terrorista contra uma organização judaica em Buenos Aires.
A Argentina
definitivamente não é para amadores, mas dá para perceber que o caso,
reaberto, tem o potencial constante de explodir no colo de Cristina
Kirchner. A ex-presidente é candidata a senadora e atormentadora-mor de
Macri.
Com uma popularidade
indestrutível no cinturão peronista da Grande Buenos Aires, ele teve
dificuldades para passar pela fase das eleições primárias. Mesmo sendo
eleita, se ficar em segundo lugar em quantidade de votos, atrás do quase
desconhecido e pouco desenvolto candidato de Macri, Estebán Bullrich,
será considerada derrotada.
Se passar à frente
dele, poderá proclamar, como Eva Perón: “Voltarei e serei milhões”. Sem
contar o alívio nos processos por enriquecimento ilícito e lavagem de
dinheiro.
Como não existe
espaço, mesmo na imensidão dos pampas argentinos, para um Mauricio Macri
forte, com desempenho econômico bom, e uma Cristina Kirchner poderosa, a
eleição de hoje pode abrir caminho a outro paradoxo de dar inveja a
seus equivalentes brasileiros. Uma ex-presidente encrencada que volta à
cena. Um presidente em exercício que faz as reformas necessárias,
recupera a popularidade. e consegue maioria no Congresso. Um espanto.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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