O primeiro-ministro de
Portugal, o socialista António Costa, que viola o português tanto quanto
Dilma, é o alvo da crônica semanal do jornalista Alberto Gonçalves,
publicada pelo Observador. "O dr. Costa escreve como fala e, para nossa miséria, provavelmente fala como pensa":
Na quinta-feira, o
dr. Costa escreveu no Twitter: “Tive com o Presidente da República da
Eslovénia e tivemos uma excelente e amigável reunião de trabalho”.
Desconheço o idioma em que a excelente e amigável reunião decorreu, mas
rezo aos santinhos para que não fosse o português. Numa única frase, o
dr. Costa conseguiu incluir “tivemos”, do verbo “ter”, e “tive”, do
verbo “tar”, sem perceber que um dos vocábulos apenas cabe nas
sofisticadas conversas mantidas pelas altas esferas do PS.
Vendo bem, pouco
surpreende num sujeito que diz “verdeira” (queria dizer “verdadeira”),
“poder-lhe-dizia” (“podia dizer-lhe”), “competividade”
(“competitividade”), “prelenamente” (“plenamente”), “insintizamos”
(“sintetizamos”), “era o que eu estou” (“era o que eu estava”),
“pulação” (“população”), “arrepatação” (?), “badéfice” (“défice”),
“protividade” (“produtividade”), “mobilição” (“mobilização”),
“precalidade” (“precaridade”). E isto numa única ocasião, uma
intervenção no parlamento há cerca de um ano (encontra-se facilmente na
“net”, sob o adequado título “António Costa desafia Jorge Jesus para um
duelo de português”). O dr. Costa escreve como fala e, para nossa
miséria, provavelmente fala como pensa.
Mesmo se acertasse na
grafia ou na fonética, as palavras que compõem o discurso do dr. Costa
são escassas e, em geral, horrendas. “Competitividade”. “Desafio”.
“Sustentabilidade”. “Estreitar”. As expressões são ainda piores:
“prestação operacional”, “fazer renascer”, “aposta estratégica”, “coesa e
competitiva”. Se adicionarmos a desastrosa pontuação (“Reuni hoje em
São Bento, com o Primeiro Ministro [sic – nem o próprio cargo escapa à
razia gramatical] da Grécia.”), é inevitável que cada texto do homem
constitua uma portentosa colectânea de vacuidades, para cúmulo quase
sempre mentirosas. O que vale ao dr. Costa é o inadvertido sentido de
humor, talento que, em Setembro passado, o levou a louvar a língua
portuguesa na ONU. Meses antes, incitara os professores de português a
partirem para França – um óptimo conselho, já que, a julgar pelo
dialecto do primeiro-ministro, há décadas que aqui não andam a fazer
nada.
Muitos acharão que,
sendo o dr. Costa um indivíduo que usurpa as eleições para alcançar o
poder, abre o poder a forças totalitárias, derruba a austeridade através
do generoso aumento dos impostos, nacionaliza subtilmente o que se mexe
e o que não se mexe também, regulamenta os comportamentos e não tarda a
respiração, compra parcelas da sociedade mediante benesses e a
devastação do resto, controla os “media” que consegue controlar e
censura o que não controla, subtrai à ralé para resgatar compinchas e
“elites” e despreza com estranho descaramento tragédias inéditas, o
pormenor dos atentados lexicais é só um pormenor, um anexo, um
pechisbeque minúsculo e até divertido. Não é. Sem o analfabetismo,
acumulado em militância partidária de décadas, seria improvável que
alguém cometesse as proezas acima descritas. A espectacular ignorância
da criatura é essencial para compreender a criatura e as respectivas
acções.
A História, claro,
prova que a sabedoria não garante a virtude. Porém, não faltam histórias
sobre a facilidade com que a boçalidade extrema propicia a malvadez, e
assegura calamidades proporcionais à influência do boçal. O mito do “bom
selvagem” é exactamente um mito. Por definição, o selvagem – incluindo
aquele a quem se vestiu um fatinho e largou no Rossio às gargalhadas – é
manhoso, cruel e incapaz de experimentar empatia. O selvagem torce a
realidade até esta se encaixar nos seus pobres delírios. O selvagem
confunde delírios com princípios e convicções com apetites. O selvagem é
mau. O selvagem é péssimo. Reduzido ao primitivismo, o ser humano
dedica-se a uma actividade exclusiva: a sobrevivência, à custa de tudo e
de todos.
A fim de chegar onde
pretende, e onde o seu turvo discernimento exige, o selvagem faz (com
previsível brutalidade) o que é preciso e diz (com previsíveis
calinadas) o que era escusado. Além de atropelar a língua, e justamente
por causa disso, o selvagem atropela o que calha. O selvagem fica
impecavelmente numa jaula. Às vezes, o azar coloca-o num trono. Numa
ocasião ou noutra, nem países civilizados escapam a cair nas mãos de um
puro, rematado e perfeito selvagem. No Portugal recente, cujo nível
civilizacional está aberto a debate, essa negra hipótese era uma
fatalidade adiada por milagre. É evidente que os milagres acabaram.
Tamos desgraçados.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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