Editorial do Estadão: "Em
que pesem os grandes males à Nação causados pelos maus políticos, que
não honram o mandato popular que lhes foi conferido, não se pode tratar
da crise de representatividade sem enfrentar com coragem, sem demagogia,
as razões que levam o eleitor a não se importar com a atividade
política como deveria, esperando que a solução de seus problemas esteja
exclusivamente nas mãos de alguém que não ele próprio, o eleitor":
Convidados a opinar
sobre a afirmação “O Congresso representa o povo brasileiro”, 84% dos
entrevistados pela consultoria Ideia Big Data para uma pesquisa
encomendada pelo Brazil Institute/Wilson Center, divulgada recentemente,
disseram discordar totalmente do enunciado proposto.
O resultado obtido
com esta nova pesquisa já apareceu em outras consultas de mesma
natureza, com pequenas variações de porcentuais. Desde as manifestações
havidas em junho de 2013, fala-se muito na chamada crise de
representatividade. De lá para cá, a confiança da sociedade em seus
representantes no Poder Legislativo só fez cair, muito pela ação nefasta
dos maus políticos, mas também, em boa medida, por uma perniciosa
campanha contra os políticos em geral engendrada por alguns membros do
Poder Judiciário e do Ministério Público.
Que vivemos uma crise
de representatividade não há dúvida. No entanto, só conseguiremos
transpô-la e chegar a um patamar de desenvolvimento institucional no
País se a abordagem do problema, em todos os níveis, for mais realista e
menos falaciosa.
Sim, o Congresso
Nacional representa o povo brasileiro. E o representa não só do ponto de
vista formal, à luz da Constituição, mas sobretudo na essência. Somos
aquilo que lá está, com todas as virtudes, todos os vícios e
idiossincrasias. Não se tem notícia de que algum dos 594 congressistas –
513 deputados e 81 senadores – tenha forçado sua entrada em uma das
Casas Legislativas. Todos lá estão a exercer o múnus público em razão do
voto popular.
Portanto, falar de
uma crise de representatividade em que a responsabilidade por sua
ocorrência recai apenas sobre o lado dos representantes é uma ótima
estratégia para aplacar consciências, mas pouco eficaz para, de fato,
resolver um grave problema de nossa democracia.
Evidentemente, o
sistema político-eleitoral hoje dá azo a absurdos como os chamados
puxadores de voto, candidatos que obtêm uma expressiva votação, bem
acima do coeficiente eleitoral, e, por esta razão, elegem a reboque
candidatos menos votados ou mesmo desconhecidos. Caso a Câmara dos
Deputados aprove o voto distrital misto – como já o fez o Senado – para
as eleições proporcionais a partir de 2020, as distorções do sistema
eleitoral serão muito atenuadas.
Mas a disfunção das
atuais regras eleitorais não serve como álibi sequer para atenuar a
parcela de responsabilidade do eleitor sobre a má qualidade da
representação congressual. Afinal, as regras valem para todos, são
conhecidas e, se o eleitor quiser, poderá usá-las a seu favor. O
problema é que não quer. Veja-se que na mesma pesquisa que revelou que a
esmagadora maioria da população não se sente representada pelo
Congresso que elegeu, a Ideia Big Data apurou que 79% dos eleitores não
são capazes de dizer o nome dos deputados e senadores nos quais votaram
na última eleição.
Outro dado revelador
sobre a responsabilidade do eleitor sobre o que escolhe na urna é a taxa
de renovação política do Congresso. Não obstante este índice variar
entre 40% e 50% a cada pleito, não se pode dizer que, de fato, esta
mudança seja perceptível, seja pelos nomes dos próprios eleitos – não
raro ex-congressistas, ex-prefeitos, ex-governadores e seus descendentes
–, seja pela falta de arejamento de ideias.
Viceja no seio da
sociedade um forte sentimento de supervalorização dos direitos coletivos
em detrimento dos direitos e deveres individuais. O resultado é este
enorme peso que os cidadãos atribuem ao Estado e a seus agentes como os
principais provedores de suas necessidades, desde as mais comezinhas do
dia a dia a seus próprios destinos como indivíduos.
Em que pesem os
grandes males à Nação causados pelos maus políticos, que não honram o
mandato popular que lhes foi conferido, não se pode tratar da crise de
representatividade sem enfrentar com coragem, sem demagogia, as razões
que levam o eleitor a não se importar com a atividade política como
deveria, esperando que a solução de seus problemas esteja exclusivamente
nas mãos de alguém que não ele próprio, o eleitor.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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