Ah, se os
companheiros Deltan Dallagnol e Carlos Fernando conhecessem o twitter na
época em que Lula e Dilma desgovernavam! Texto de Valentina de Botas,
via Augusto Nunes:
A Suécia
não tem graça. Coisa modorrenta assolada por paisagens de
quebra-cabeças com castelos e lagos; mesmice iluminada por Ingrid,
dirigida pelo grande Ingmar e musicada pelo ABBA (com uma das dicções
mais perfeitas do inglês); sem-gracice de um país sem sol onde o sol
nasce para todos; aquele tédio de nações sem corrupção, sem selvageria
urbana, sem balas perdidas encontradas em corpos de inocentes, sem
analfabetos nem desdentados. Acabo de ler “Um País Sem Excelências e
Mordomias” (Geração Editorial, 336 páginas, 2014), da jornalista
brasileira Claudia Wallin, que mora lá há um tempão. O livro é
consistente e, para analisar a robustez da democracia e da cidadania na
belíssima Suécia, faz uma retrospectiva sobre a passagem do poder da
monarquia para a sociedade na figura do parlamento. Há pouco mais de 100
anos, o país era tão animado quanto o Brasil, sem sol nascendo para
todos e nem cantava “The Winner Takes it All”, mas compensava tudo com a
corrupção generalizada, baixa educação da população e alta
criminalidade, o que a tornava um dos países mais atrasados da Europa.
Os
suecos são gente como a gente; mas, sem a desgraça de contar com um
salvador Lula da Silva para tirar da miséria sua população e ainda
transformá-la quase inteiramente “nazelite” de olho azul abrigada numa
das democracias mais aborrecidamente sólidas do mundo, tiveram de
apelar. Assim, a soteriologia sueca apostou em educação e pesquisa, em
princípios econômicos liberais, na aplicação das leis segundo elas
mesmas, no aperfeiçoamento de suas instituições com uma cultura que
desestimula privilégios de tal forma que políticos e magistrados usam
transporte público ou os próprios carros sem auxílio-gasolina. O Estado
concede imóveis funcionais, mas apenas para o ocupante do cargo público;
se ele trouxer o cônjuge, este tem de pagar a metade correspondente ao
valor de mercado do aluguel.
Mas quem
pensa que o Brasil não tem jeito não sabe que isso aqui está assim “ó”
de brasileiros, gente que não desiste nunca: o salvador Lula não deu
certo? Pois há viveiros de heróis no Judiciário, no Ministério Público,
no showbiss e até na política sob medida para nosso puerilismo
patológico. Agora mesmo, depois de quieto enquanto o Brasil padecia sob
vexames como Aloizio Mercadante que, no Ministério da Educação, ensinava
que museu nada tem a ver com educação, o Judiciário descobre que
pessoas “sem currículo compatível com a tarefa” não podem ser ministros.
Piadas cansadas simulando análises sobre Temer insistir na prerrogativa
de errar, ainda que erre em favor do bem maior que é a reforma da
previdência, não enxergam e/ou omitem a marcha insana do Judiciário em
decidir que Temer não governará enquanto a reforma da previdência
estiver no horizonte. Ela também motiva a liminar contra a privatização
da Eletrobras, concedida para desgastar o governo. A pátria dos
nacionalistas-corporativistas não é o Brasil, mas a privilegiatura
camuflada num discurso mofado de nacionalismo politiqueiro. Críticos a
isso são promovidos a defensores-de-bandido, anticristos legalistas.
Estes, os argumentos mais maduros. Os demais, arremessados por
seguidores das igrejinhas erguidas por radicaloides à direita e à
esquerda para serem glorificados, xingam e tentam intimidar.
Ah, se
os companheiros Deltan Dallagnol e Carlos Fernando conhecessem o Twitter
naquela época em que deixavam Lula e Dilma desgovernarem! Mas
salvadores estão na hora e no lugar certo que eles escolhem, assim o
impeachment de Dilma levou os procuradores foratemeristas a matar o
empregão para nos atualizar, via redessociolândia, sobre os crimes de
toda essa gente que sucedeu a súcia-salvadora e que tenta destruir a
Lava Jato, ao passo que a própria, estranhamente, não incomoda a mãe de
Pasadena e mantém solto o criador do petrolão que, em troca, atacam a
Justiça. Enquanto os procuradores silenciam sobre a escalada dos ataques
ao juiz Moro e aos desembargadores do TRF-4, o procurador-tuiteiro
Helio Telho adicionou ao berreiro contra a reforma da previdência o
vídeo em que Gilmar Mendes é hostilizado em Portugal. Porque uma coisa é
atacar Moro e outra completamente idêntica é atacar Mendes: o silêncio e
o barulho estranhos dos procuradores e os ataques aos dois magistrados
aviltam o estado de direito democrático. Em países estranhos, muita
gente acha que ele só serve para proteger bandidos, quando, na verdade,
estes são protegidos se ele for extinto.
Mendes é
execrado por juízes/MPF em razão do anticorporativismo que reafirmou
numa entrevista ao site CONJUR explicando a inconstitucionalidade da
liminar de 2014 do ministro Fux que concedeu auxílio-moradia a juízes e
procuradores mesmo que tenham residência própria e trabalhem onde
residem. Nessa nova hemorragia, o orvalho sangrante da privilegiatura já
drenou quase R$ 5 bilhões que o Brasil não tem. Se as decisões de Moro e
Mendes fossem explicadas por jornalistas e demais formadores de
opinião, os ataques talvez se diluíssem, dando uma chance à
racionalidade; perigo afastado cotidianamente. De todo modo, o senso de
justiça ─ com toda sua carga de subjetividade ─ não se satisfaz com
esclarecimentos técnicos, isso é natural, e é um direito de todo cidadão
não gostar de decisões jurídicas e pressionar juízes (que devem cumprir
sua obrigação de não ceder); bom seria fazê-lo com civilidade, mas nem o
que houve com Mendes em Lisboa nem o que os petistas fazem contra Moro é
positivo.
Lula
permaneceu livre pelas “medidas menos gravosas” do juiz Moro que, quando
o condenou, admitiu ser cabível a prisão preventiva; entretanto, para
“evitar traumas decorrentes da prisão de um ex-presidente”, preferiu
deixá-lo solto. “Certos traumas” é figura jurídica inexistente que
adensou a aura de intocável de Lula e nutriu a insânia de sua grei
fanática. Falo com todo o respeito a Moro, que já fez um trabalho
admirável pelo bem do Brasil, mas falo também com a frustração de uma
brasileira que sonha com o sol e a lei nascendo para todos neste país
que a gente primeiro estranha e, depois, estranha: quem, no lugar de
Lula, ainda estaria solto? Não reduzo Moro a herói, eu o vejo como um
homem íntegro passível de erros como qualquer pessoa. E acho que ele
errou nesse estranho xadrez que poupa o rei. Também Mendes erra quando,
por exemplo, não se declara impedido em determinados casos, mas acerta
quando não cede à ideia absurda de que juiz tem de ser um fofo que ouve
as ruas. Tem nada! Não por soberba, mas porque Thomas Hobbes merece uma
chance mesmo num país estranho.
“Currículo
incompatível com a tarefa” não está na lei, mas a isso se dá um jeito
no país do jeitinho. A nação do futuro roubado por Lula que continuará
solto não perde tempo com leis e isolou o mal: a fábrica de habeas
corpus cujos críticos não conseguem demonstrar quais dispositivos legais
viola. Desnecessário: se não foi o Ministro Barroso quem soltou ─ né,
Pizzolato? ─, está errado. Ademais, aonde chegaremos com essa frescura
de leis? Em 100 anos, talvez à Escandinávia, aquela sem-gracice. Nada
disso, a ideia é limpar o Brasil, a Suécia levou tanto tempo porque não
tem Twitter nem o jeitinho brasileiro.
Não
compreendo o Brasil que, ansiando pelo novo e por limpeza, atrela-se a
duas versões do atraso sujas de primitivismo e que repelem reformas; uma
é o pai do petrolão; a outra, um mito radicaloide só visível em tempos
desoladores. Antes de chegarmos a outubro, todos os oráculos juram que
nossos salvadores dão expediente no TRF-4. Com salários de até R$270
mil, segundo dados oficiais, não querem nem ouvir falar em reformar a
previdência. Tem salvação um país que sustenta salvadores a esse preço?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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