MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Cidadania, eu quero uma pra viver.

A construção do pesadelo no Rio cresceu a partir dos anos 70 numa sucessão de governos inspirados num esquerdismo leniente com a bandidagem. O resultado é o horror diário no Rio de Janeiro. Artigo de Valentina de Botas, via blog do Augusto Nunes:
Michel Temer, Gleisi Hoffmann, Jair Bolsonaro e demais políticos são, ora essa, políticos. Fazem política o tempo todo e isso é legítimo. A intervenção federal no Rio de Janeiro tem, sim, aspectos políticos, mas a oposição a ela também. O intolerável é fazer política contra os interesses do país, e é do interesse do país conter a desgraça que se abate sobre o Rio. Acima das diferenças políticas, há a essência da coisa: o Rio de Janeiro está devastado não só pela criminalidade, mas pela institucionalização da criminalidade. A intervenção não resolverá, mas pode mostrar caminhos, não é um videogame do Rambo, mas também não é um chá de senhoras. Com seus acertos e erros, torço para que os primeiros predominem e que seja o início da construção de uma saída. Não importa que Temer ou seus críticos estejam certos ou errados, me importa que os brasileiros tenham clareza de apoiar as políticas que nos beneficiem objetivamente, e não (ou, ao menos, não só) porque fulano ou sicrano do partido A ou B disse isso ou aquilo. Politizar? Que os políticos o façam, e que nós saibamos discernir quem politiza a nosso favor. É a minha torcida. Os que votaram contra, radicais submetendo o destino do país a sórdido jogo eleitoreiro, vêm nos lembrar que o Brasil só pode contar com eles para se transformar num paraíso socialista tuiuti, cuja reserva ideológica mais próxima de nós desse horror que só deu errado onde foi tentado, a Venezuela, expulsa seus cidadãos que acorrem para cá.

Apoio a intervenção, porque meu coração está com a população do Rio de Janeiro cujo cotidiano está convulsionado e a vida é predada numa rotina de pesadelo. A construção desse pesadelo se acelerou a partir dos anos 70 numa sucessão de governos estaduais e municipais inspirados num esquerdismo leniente com a bandidagem, vista como expressão de incerta brasilidade, de uma malandragem libertária e outras miragens bacanas-tipo-descoladas, por uma antropologia tropicaloide fronteiriça com a idiotia. Tal festim apocalíptico em que Rousseau, Lênin e Foucault se drogam e copulam enquanto Darcy Ribeiro, Leonel Brizola e o chefe do tráfico da hora fazem as honras da casa, se agravou pela rapinagem patológica do governo Cabral em associação ao petismo, à corrupção e ineficiência da polícia, do Judiciário e do Legislativo, e à metafísica dos revolucionários da Zona Sul, como cantores-pensadores que pensam “nos tiros na cabeça de crianças”, se esquecendo de pensar que estes são a letra miúda do contrato informal com o tráfico para garantir a “maresia” diária dos revolucionários.

Não conheço os detalhes da intervenção e tenho claro que ela é o começo de um trabalho duríssimo, mas arrisco dizer que seu maior defeito é o momento, porque impede a votação da reforma previdenciária. Temer esperou demais Rodrigo Maia parar de fazer beicinho, os governistas deixarem a covardia de lado por algumas horas, a oposição não trapacear, a privilegiatura não disparar outra conspirata. A hesitação não se justificava, pois, se a reforma fosse aprovada, o crédito da coisa seria negado ao presidente ─ assim como se diz que a recuperação da economia nada tem a ver com o governo, apenas com a equipe econômica do governo e, oras, uma equipe econômica de governo é desvinculada do governo; Mantega e Dilma? Imagine, nada a ver um com o outro; Meireles e Temer? Também não. Ao passo que, se rejeitada a reforma, a derrota seria atribuída ao presidente. Porém, não é problema do presidente fazer a reforma, é sim problema do país não fazê-la. Independentemente da aprovação, submeter a reforma à votação confirmaria que o país, prestes a escolher um presidente, não pode contar com esquerdistas e liberais convertidos ontem. Sem esse exercício pedagógico, há o risco de elegermos algum farsante e/ou radical cujo repertório político descarta reformas, a novela reformista acaba e o Brasil morre no final.

Enquanto nos debates em torno da intervenção federal, alguns radicais queriam uma espécie de videogame do Rambo, a ministra Cármen Lúcia, bem guardada pela segurança pessoal corretamente fornecida pelo Estado e regiamente paga pela sociedade, lembrou, perdida entre alguma cena do musical “Hair” em seu gabinete no STF, a importância do amor pelo próximo. À frente de um dos mais caros e ineficientes sistemas Judiciários do mundo, que oferece à população uma Justiça que já falha ao tardar nos condenando a uma cidadania rarefeita, a presidente do STF, senão tiver mais nada a fazer, poderia nos poupar dessa Justiça de autoajuda de balcão de papelaria. Acuada entre tais extremos, sem uma cidadania para viver suas potencialidades, a sociedade corre para onde? Para comprar uma arma de fogo, querem os defensores do fim do estatuto do desarmamento.

Discordo, menos por convicção e mais por considerar fracos os argumentos contrários. Entre eles, o menos inconsistente é a comparação com os Estados Unidos. O primeiro problema é que os Estados Unidos, por seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), devem ser comparados ao Japão ou à Alemanha, por exemplo. Não ao Brasil, que deve ser comparado à Venezuela ou Colômbia. Comparados ao Japão ou à Alemanha, países em que a circulação de armas é extremamente restrita, os Estados Unidos são uma carnificina.

Além disso, os americanos, por aspectos socioculturais que contemplam características peculiares desde a ocupação, a luta e a defesa de territórios, passando pela Guerra Civil, têm gravada na sua noção de cidadania uma relação tão “natural” quanto madura com armas muito diferente da que o brasileiro tem. Minha sensação é de que, em geral, o brasileiro tem uma relação com armas mediada pelo deslumbramento. Claro que há entre nós pessoas responsáveis e conscientes que não terminariam à bala um desentendimento na fila do cinema. Como há entre nós muitos que não bebem antes de dirigir. O diabo é que somos líderes em mortes no trânsito/estradas e receio que, num país em que os Detran liberam carta de motorista até para deficientes visuais, o controle e a fiscalização na concessão de porte/posse de arma obedeçam também ao nosso detestável jeitinho. Claro que não acho que o cidadão-de-bem deve ser morto sem o direito de se defender, só acho que ter uma arma nem é um direito e nem garante ao cidadão essa defesa dourada. Ter uma arma também não me parece dissuasório, pelo menos não foi para os 137 policiais abatidos como bichos no Rio, em 2017. Sim, nos Estados Unidos o aviso “armed response” dissuade invasões. Mas só o aviso? A certeza de ser e permanecer preso não conta? Quantas propriedades sem o alerta são invadidas em relação às que o exibem? No Brasil, o mesmo aviso serviria de chamariz para assaltantes que cobiçassem a arma.

Nada disso são certezas que protejo com um “armed response”, são apenas impressões não imutáveis de uma cidadã perplexa como os demais brasileiros, sem uma cidadania pra viver, mãe angustiada num país com esta cidadania tão rala que ─ diante do futuro que a reforma da previdência ajudaria a clarear e o presente que a intervenção pode tornar menos ameaçado de eliminação cotidiana ─ nem sequer pudemos dar uma chance melhor à civilização mantendo ambos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

Nenhum comentário:

Postar um comentário