MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 22 de abril de 2018

Cura pela natureza: baianos lideram ranking nacional no cuidado da saúde com plantas

(Arisson Marinho/CORREIO)

Veja as propriedades das 12 plantas oferecidas pelo SUS
No lugar do calmante tarja-preta, extrato da flor Valeriana. Ao invés de anti-inflamatório, cúrcuma. Para substituir o antiácido químico, chá de erva-doce. O poder da flora brasileira tem acordado um hábito até então adormecido entre a população: a troca de medicamentos químicos, os alopáticos, pela Fitoterapia, a terapia por meio das plantas. E na Bahia, a apropriação da terra como curadora é maior que no resto do país, mostrou o Ministério da Saúde a pedido do CORREIO.  
A decisão de Olga Gonzalez em substituir alopáticos por fitoterápicos ocorreu há 14 anos, quando sofria as dores de problemas no nervo ciático. Tratou com anti-inflamatório, até que pensou: "estou tratando uma coisa e prejudicando outra". A arquiteta se referia ao fato de o uso excessivo do remédio ser associado, por exemplo, ao comprometimento da função renal.
Decidida, procurou um médico e tratou a doença não mais com anti-inflamátorios, mas com plantas medicinais e outros fitoterápicos. Hoje, curada, defende: “você vai ficando mais limpa por dentro. Sua mente também fica mais clara, mais limpa”.  
Como Olga, 9,5 mil pessoas foram tratadas pela fitoterapia na Bahia, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). O estado aparece à frente do Piauí, com sete mil atendimentos individuais, e Pernambuco, com 4,3 mil. Entre 2016 a 2017, período analisado, foram 218 mil unidades de fitoterápicas disponibilizadas apenas pelo SUS em 52 cidades da Bahia - pouco diante dos 37 milhões de alopáticos comercializados, mas uma vitória para aqueles que acreditam no tratamento natural.
 “O que está acontecendo no mundo todo é uma busca pelo que é mais saudável, por um tratamento menos agressivo”, acredita o médico César Barreto, que há 28 anos faz tratamento com uso de fitoterapia e dietoterapia.
A tendência de que fala César é guiada, desde 2006, por uma política do Ministério da Saúde: a Política Nacional de Plantas Medicinais. O guia de diretrizes busca oferecer o acesso seguro e racional de plantas medicinais e fitoterápicos. Por isso mesmo, o SUS oferece 12 medicamentos fitoterápicos, como Alcachofra, Aroeira e Unha de Gato.
No Brasil, segundo calculou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a pedido da reportagem, existem aproximadamente 360 fitoterápicos registrados e à venda nas farmácias. Também há registro, no território nacional, de 1,2  mil Unidades Básicas de Saúde (UBS) que oferecem fitoterápicos ou plantas medicinais no tratamento de pacientes. Em Salvador, a oferta de 'medicamentos verdes' acontece em 10 unidades de Saúde. A distribuição, explica a pasta, acontece conforme demanda. 
Fitoterápico também é remédio 
“A diferença entre o remédio e o veneno é a dosagem. Qualquer tipo de tratamento depende muito da individualidade bioquímica de cada um”, adverte a usuária de fitoterápicos Diva Rocha. Os medicamentos fitoterápicos, afinal, são medicamentos; e as plantas, tão poderosas, devem ser utilizadas com responsabilidade. É preciso, portanto, o cuidado: ir ao médico.
Como qualquer medicamento, o fitoterápico precisa ser regularizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). E os profissionais precisam de capacitação para prescrevê-los. Nutricionistas, por exemplo, precisam fazer curso de especialização caso queiram atuar com fitoterapia.
“Isso também mostra que o fitoterápico não pode ser consumidor aleatoriamente. É preciso ficar atento para não ter excesso”, ressalta Janaina Queiroz, vice-presidente do Conselho Regional de Nutricionistas da 5ª Região.
Mas, por que não pode, já que é planta? O médico César Barreto responde. “O fitoterápico é remédio tanto quanto um remédio alopático. E a automedicação não deve ser feita nunca. O chá, por exemplo, se tomado em grande dose, pode prejudicar o fígado, abaixar a pressão”, explica ele.  Para evitar excessos, responder às dúvidas e fiscalizar o uso dos fitoterápicos, o Ministério da Saúde já investiu mais de R$ 35 milhões em 93 projetos de plantas medicinais e fitoterápicos no âmbito do SUS. 
Na Bahia, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesab) presta consultoria a municípios que pretendem oferecer fitoterápicos nas unidades de saúde gratuitamente. Desde 2009, foram atendidas 13 cidades. São elas: Ilhéus, Itabuna, Itacaré, Palmeiras, Itapetinga, Juazeiro, Igrapiúna, São Francisco do Conde, Alagoinhas, Salvador, Camaçari, Lauro de Freitas e Ibotirama.
Primeira horta fitoterápica de Salvador
Na área externa da Unidade de Saúde Professor Humberto Castro Lima, em Pernambués, há de tudo um pouco: boldo, capim santo, erva cidreira, kioiou, mastruz, tapete de oxalá. Desde 2016, a tímida horta compete por espaço no cotidiano dos pacientes do posto. Ali, mesmo que poucos saibam, está o primeiro jardim medicinal de Salvador, criado com apoio do Núcleo de Saúde e Apoio Familiar (Nasf), do Ministério da Saúde.
 
Nelson Bispo conta que o jardim foi esforço dos funcionários do posto de saúde 
Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO
O gestor da unidade, Nelson Bispo, conta que o jardim foi um esforço dos funcionários. E resultado da própria observação dos pacientes. “Começaram a captar informações com os pacientes, que falavam que tomavam tal chá, gostavam de tal erva. Captamos isso e mudamos nossa atuação”, conta ele. Mas, implantado o jardim, os 120 pacientes que costumam frequentar semanalmente o posto não adotaram, plenamente, o costume de visitá-lo. 
Médico da unidade, Ari Avelar tenta atrair, aos poucos, os pacientes ao jardim. E, com isso, à fitoterapia.
“Não costumamos, de imediato, passar um químico. Com o químico, é muito mais fácil ficar dependente. Por isso, tentamos aliar com o fitoterápico. É também um equilíbrio entre custo e benefício. Quem quiser, pode sair daqui com a medicação na mão. É só ir no jardim”, diz. 
A frequência abaixo do desejado também não desencoraja os funcionários. “Esses meninos novos que estão chegando estão com outra visão das coisas. O que queremos é voltar a um médico de família mesmo: não abordar a doença, mas o doente”, torce Ari. Enquanto isso, as plantas serão cuidadas e regadas, no aguardo do próximo paciente. “Não fazemos propaganda: ‘Venha pegar boldo”, brinca Nelson. Mas, se quiser, é só chegar. 
Farmácia Viva: da planta ao remédio 
Em outubro do ano passado, a farmacêutica da Sesab Mayara Tavares recebeu um pedido: assessorar duas colegas de profissão na elaboração de um projeto que seria enviado ao Ministério da Saúde. A ideia era estudar a criação das chamadas Farmácia Viva, modalidade em que o medicamento é concebido da plantação à fabricação, em Lauro de Freitas.
Dois meses depois, no dia 22 de dezembro, o resultado: a cidade da Região Metropolitana de Salvador (RMS) foi escolhida, junto a nove municípios brasileiros, para receber a primeira Farmácia Viva da Bahia. No Brasil, já foram seis editais lançados e 80 farmácias do modelo construídas.
O projeto começou a ser concebido em julho de 2017, quando a equipe organizou o Chá Educativo, bate-papo sobre saúde em 11 das 14 unidades básicas de saúde da cidade. Nos espaços, o grupo percebeu uma demanda pela implantação de fitoterápicos. Os planos, então, ganharam novos contornos. A farmácia funcionará por meio de uma parceria da Secretaria de Saúde do Município de Lauro de Freitas e a União Metropolitana de Educação e Cultura (Unime), com recurso de R$ 313 mil do Ministério da Saúde. 
Antes da inauguração da farmácia, serão realizados estudos com a comunidade local durante seis meses para coletar o perfil da população e descobrir quais são as plantas mais utilizadas. Depois, haverá a plantação de 10 plantas na área escolhida para receber a farmácia, no Posto de Saúde Vida Nova Caji. A fabricação dos compostos acontecerá na Unime, que repassará os medicamentos para a farmácia. 
Uma das farmacêuticas à frente do projeto, Tayra Barreto fala da farmácia como o resultado de uma luta.
“A fitoterapia é, em si, uma luta. Uma luta dos movimentos sociais, das organizações não-governamentais. A própria população já trabalhava com fitoterapia, sem saber, no uso de plantas medicinais. O ministério se mostrou sensível a isso”, afirma ela, especializada em saúde coletiva, e estudante de fitoterapia.
Em Salvador, ainda não há expectativa de implantação de Farmácia Viva. Mas seguem os cursos e oficinas, como a realizada no dia 13 de abril, no Centro de Atenção Psicossocial Franco Baságlia, em Piatã. “Salvador tem uma demanda grande de palestras, capacitação. Mas não apresenta um perfil de cultivo, então as ações são um pouco diferentes, mais direcionadas”, explica Mayara Tavares. 
Planta é tradição
O conhecimento do mundo vegetal começa a ser explorado e assimilado em paralelo à própria formação do estado da Bahia. A presença de indígenas e africanos resultou em um trânsito cultural e religioso bastante particular em território baiano. Receber a notícia de que, hoje, a Bahia é o estado onde mais se faz uso de fitoterápicos e plantas medicinais, é relembrar essa tradição, diz o antropólogo e professor de filosofia da ancestralidade na Unilab, Marlon Marcos.
“São marcas que estão até no nosso inconsciente. A Bahia, de alguma forma, tem isso muito forte. É como um mecanismo intuitiva de que a cura não vem só do que hegemonicamente considerado como medicina”, explica ele. Em seu “Uma História da Cidade da Bahia” (2000), o antropólogo e historiador Antônio Risério conta um pouco do uso das plantas, seu poder no Candomblé. Fala de um segredo guardado a sete chaves, um conhecimento de “caráter iniciático”, ao se referir às plantas. 
As plantas, tempo a tempo, extrapolam os limites dos terreiros candomblecistas, das cerimônias indígenas, chegam às casas de católicos e candomblecista. No melhor estilo sincrético baiano. “Era preciso conhecer as plantas medicinais, uma questão de necessidade. Eles curaram muita coisa que a medicina não conseguia curar”, explica o babalorixá do Ilè Orişá Nlá Àşę Obalodó Alcides Carvalho.
Desde 2015, o babalorixá integra o projeto Rhol, resultado de um levantamento realizado em terreiros soteropolitanos. Em dezembro de 2017, foi criada uma loja, no Pelourinho, para venda de plantas medicinais, mas também de sabonetes e outros símbolos do Candomblé. “É uma questão, também, de se adaptar ao que as pessoas pedem, que são os fitoterápicos”, define. Aos poucos, os segredos do mundo vegetal são explorados, e a natureza oferece seus poderes. 
Postos de Salvador que oferecem fitoterápicos
Unidade de Saúde da Família (USF) Joanes Leste no bairro do Lobato.
Unidade de Saúde da Família (USF) Joanes Centro Oeste em São Caetano
Unidade de Saúde da Família (USF) Santa Mônica;
Unidade de Saúde da Família (USF) San Martins;
16º Centro de Saúde Maria Conceição Imbassahy no bairro de Pau Miúdo
Multicentro Carlos Gomes no Centro
Unidade de Saúde da Família (USF) Barbalho;
Centro de Saúde (CS) Ramiro de Azevedo em Nazaré
Centro de Saúde (CS) Nelson Piauhy Dourado em Águas Claras
19º Centro de Saúde Pelourinho

QUAL A DIFERENÇA ENTRE HOMEOPATIA E FITOTERAPIA
A Homeopatia, como a Fitoterapia, é considerado com um sistema médico, pelo Ministério da Saúde, no dia 3 de maio de 2006. No Brasil, é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina em 1980. O tratamento é baseado em quatro princípios: lei dos semelhantes, experimentação na pessoa sadia, doses infinitesimais e medicamento único. Significa, em resumo, que uma doença não é apenas uma doença, mas um desequilíbrio. O paciente tratado por homeopatia pode ser curado, por exemplo, por versões diluídas de um composto que causa a doença. Fala-se em versão homeopática. É considerado, portanto, um tratamento preventivo e curativo.

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