MEDIÇÃO DE TERRA

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domingo, 22 de abril de 2018

Sonhos, planos e lições de quem largou o emprego para tirar um ano sabático


DIÁRIO CATARINENSE
Sonhos, planos e lições de quem largou o emprego para tirar um ano sabático Felipe Carneiro/Diário Catarinense
Fabiana largou o emprego numa multinacional Suíça para dar a volta ao mundo com amigos
Foto: Felipe Carneiro / Diário Catarinense
A florianopolitana Fabiele Nunes não podia se queixar de Dubai, onde trabalhava desde 2008. Aos 36 anos, a psicóloga formada na UFSC era diretora de RH de uma multinacional suíça de tecnologia de informação especializada em serviços para a indústria da aviação. Do 10º andar de uma das torres que rasgam a paisagem da cidade, ela comandava as operações do departamento em 59 países asiáticos, incluindo Oriente Médio e Índia. Em 2014, o visto bienal que a permitia atuar no emirado árabe venceu novamente. Ganhava, morava e gastava bem — com perspectivas de crescer —, mas resolveu pedir demissão e, como preconiza o filósofo italiano Domenico de Masi, parar de diferenciar tempo livre de trabalho: tirou um ano sabático. Sua vida nunca mais foi a mesma.
— Comecei a alimentar a ideia de dar a volta ao mundo — conta Fabiele, hoje à frente de uma startup na capital catarinense.
Afastar-se das atividades profissionais por um período para se dedicar a algum projeto pessoal — mesmo que esse projeto seja apenas relaxar — faz parte dos sonhos de muita gente. Poucas têm condições financeiras e "situacionais" de realizá-lo. Fabiele, executiva de uma grande empresa, solteira e sem filhos, tinha. Superou o "pesar de deixar para trás a casa, a carreira e os amigos" e pôs-se a planejar. Os preparativos levaram quatro meses. Um alemão e uma egípcia, colegas de Dubai, a acompanhariam. A primeira providência foi estipular uma rota. Ela queria conhecer a Oceania; eles, a América Latina. Fecharam em 12 escalas.
Para calcular de quanto precisariam, dividiram os destinos em três grupos, de acordo com o custo. Os caros, como Japão, Havaí, Austrália e Ilhas Fiji, consumiriam US$ 200 diários, sendo US$ 100 para estada e US$ 100 para as demais despesas. Na Tailândia, em Cuba ou no Peru, metade disso bastava. Brasil e Chile figuravam entre os intermediários. Regularizaram vistos, tomaram as vacinas exigidas, encerraram contratos e partiram. No início, Fabiele confessa que ficou "meio perdida, achando que estava de férias". A ficha não demorou a cair:
— Não é turismo, é a sua vida por aquele período! A grande questão é: "O que eu vou fazer quando não sou obrigada a fazer nada?"
O maior legado, contudo, foi aprender a conviver com o desapego. Antes de embarcar, ela penou para escolher o que levar na mala sem ultrapassar os 23 quilos permitidos por voo. Pois não só foi o suficiente como uma das poucas coisas que comprou durante a jornada foi um casaco mais pesado na Nova Zelândia por causa do frio danado que encarou lá. Até por uma razão econômica: não dava para trazer lembrancinha de tudo quanto é lugar, para não pagar excesso de bagagem. Seis meses depois, a trip terminou para Fabiele — mas não o ano sabático.
O semestre seguinte passou em Florianópolis, na casa da mãe, para matar a saudade e "pensar no que iria fazer". O problema era que os amigos locais não tinham o tempo sobrando como ela. Então, Fabiele começou a inventar no que se ocupar. Entrou na ioga, passou a praticar stand-up paddle. Achava que não seria viável voltar a morar na cidade que, quando saiu — em 2002, para um mestrado na Alemanha, e em definitivo em 2005, para ingressar na unidade carioca da gigante europeia pela qual acabaria transferida para Dubai —, "ou você fazia concurso público ou trabalhava com turismo". Em 2016, ou se arriscava na área de tecnologia também.
Ela virou frequentadora da associação catarinense das empresas do setor (Acate). Sem nada muito concreto em vista, de olho nas possibilidades. Foi lá que conheceu o futuro sócio. A oportunidade de se aprimorar em um programa de aceleração da Google a levou para uma temporada de 10 meses em São Francisco, nos Estados Unidos. Permaneceu mais dois meses no Vale do Silício e fez um curso em Stanford. Sua startup desenvolve games como ferramentas de inovação para empresas, com simulação de ideias e captação de investimentos. De disrupção — palavra-chave da nova economia fomentada pela internet, descrita como "interrupção do curso normal de um processo" —, a executiva que trocou literalmente um emprego das arábias pelas incertezas do próprio negócio entende.
 FLORIANÓPOLIS, SC, BRASIL - 19/04/2018Eduardo Lannes tirou um ano sabático
Eduardo Lannes trabalhava num banco quando, perto de completar 30 anos, resolveu viajarFoto: Felipe Carneiro / Diário Catarinense
O conceito de dar uma pausa no batente por um período para refletir, aprender algo ou simplesmente cultivar o ócio tem origem nas universidades americanas no século 19, que concediam licenças aos professores para reciclagem e aperfeiçoamento. A origem do termo vem do sabá judaico, o dia de descanso, correspondente ao sábado. O Torá, livro sagrado dos judeus, estabelece que a cada seis anos de cultivo da terra, o sétimo será sabático, isto é, dedicado à recuperação do solo. No mundo corporativo, a liberação de um funcionário para outra finalidade que não fosse gerar lucro ao patrão ocorreu a partir da década de 1950.
Segundo levantamento feito pela empresa de recrutamento Robert Half, 73% das companhias no mercado brasileiro não oferecem períodos sabáticos (ainda que não remunerados) aos empregados, embora 86% dos 900 gestores consultados admitirem que gostariam de ter um tempo desses. A amostragem, de 2012, serve para atestar como a prática é rara no país. A multinacional suíça onde Fabiele trabalhava também não tinha essa política, mas deixou as portas portas abertas para que retomasse suas funções. Apesar de não ter topado, ela considera importante que os empregadores pensem mais no tema, nem que seja como incentivo:
— A empresa não pode impedir que o profissional vá. Mas pode garantir que ele volte.
O anseio de parar para reavaliar a vida e a carreira depende do contexto e dos valores individuais. Além disso, estresse, frustração ou saúde influenciam, diagnostica uma das pioneiras em coaching (conjunto de competências e habilidades desenvolvidas para alcançar um objetivo pessoal ou profissional) no país, Richeli Sachetti, há 13 anos no ramo. Baseada em Tubarão, ela atende clientes em todo o Brasil. Seja qual for a motivação para cogitar com mais carinho essa história de "ano sabático", planejamento é fundamental, orienta a especialista.
— Não é fácil. Para não ter que planejar, muitas pessoas vão adiando. Conversar com alguém que fez, saber os detalhes, ajuda muito — diz.
Tomada a decisão, o investimento na empreitada varia conforme o perfil do interessado. Quem não tem tanta "necessidade de segurança", observa Richeli, requer menos dinheiro. Outros preferem conquistar a independência financeira antes, para não ter que se preocupar durante e depois. O essencial é curtir o processo, não importa que saia do papel em um, dois ou cinco anos. O prazo, ressalta a coach, contribui para a preparação e já deflagra toda uma mudança de paradigmas.
— É uma sensação de empoderamento, de saber que tem a liberdade. Não precisa ser amanhã, não precisa largar tudo, mas com uma estrutura de organização de ideias, de compreensão dos sentimentos, de autoconhecimento. Tudo começa a ter mais propósitos.
Nas férias, o gerente de conta Eduardo Lannes sempre viajava para algum lugar diferente. Mas queria ir para mais lugares por mais tempo, conhecer culturas, ganhar experiências. Em 2012, prestes a entrar para o time dos trintões, dos quais oito trabalhando em uma agência bancária no Rio de Janeiro, bateu o dilema: ou se aventurava de uma vez ou ficaria para sempre imaginando como seria se tivesse reservado um período sabático para si "quando ainda era jovem". Optou pela primeira alternativa. Os preparativos levaram um ano – e envolveram a namorada, com quem se casaria e viria morar em Florianópolis, terra dela.
— Para economizarmos, ela saiu do apartamento em que morava e foi morar comigo no meu quarto-e-sala. Na reta final, conseguimos poupar quase 50% do que ganhávamos — lembra.
Ele abriu mão do cargo e tirou uma licença não remunerada do emprego. O casal comprou uma passagem da modalidade "volta ao mundo", oferecida por algumas companhias aéreas a cerca de US$ 5 mil por pessoa. Eram 16 trechos aéreos, com a condição de partida e chegada serem no mesmo local e o percurso circundar o globo terrestre no mesmo sentido (para completar o giro pelo planeta), com possibilidade de alterar datas sem taxas extras. Por 11 meses, percorreram quatro continentes (Oceania não entrou porque exigiria um desvio no roteiro). Gastaram, diz Lannes, o equivalente ao preço de um veículo.
— Se você quiser passar no luxo, é uma caminhonete importada. Se for passar aperto, é um carro popular. Nosso caso se enquadrou no meio termo: não estávamos rasgando dinheiro, mas queríamos conhecer o maior número possível de atrações.
No regresso ao Brasil, a insatisfação que o inquietava deu lugar a uma "sensação de missão cumprida". Como tinha participação em um hostel no bairro carioca da Lapa, o ex-gerente não retornou ao banco — está licenciado até hoje — e começou a investir nisso. Entre 2013 e 2016, chegou a administrar oito albergues na capital fluminense em sociedade com amigos. Até se mudar para a Ilha, onde atualmente mora no Canto da Lagoa com a mulher, presta serviços de consultoria financeira e se sustenta com a renda de um dos hostels que manteve no Rio.
O que Lannes e Fabiele fizeram, cada um a seu modo, com causas e consequências diferentes, é chamado pela psicóloga que se tornou empreendedora de "aposentadoria não linear". Ela pretendia deslanchar na carreira para, aí sim, com a vida encaminhada, desfrutar. Agora, acredita em trabalhar, ganhar dinheiro, aproveitá-lo para dar vazão a planos que em circunstâncias convencionais seriam considerados impossíveis e depois inventar outra coisa. Como se fosse o fechamento de um ciclo. Mas não o último.
— Se penso em fazer de novo? Claro! – confirma Fabiele.

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