MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 20 de maio de 2018

Urnas da Venezuela sob desconfiança

País realiza hoje eleição presidencial sob acusações de fraude pela oposição

Jornal do Brasil JOHANNS ELLER* johanns.eller@jb.com.br

A controversa disputa presidencial venezuelana ocorre em meio à profunda crise econômica, política e social que se transformou em um desafio central para a América Latina. A eleição, inicialmente prevista para dezembro, foi antecipada  pelo governo, levando boa parte da oposição a boicotá-la. Nicolás Maduro é candidato à reeleição contra o dissidente chavista Henri Falcón e o pastor evangélico Javier Bertucci. Em um dia crucial para o futuro da Venezuela, o JORNAL DO BRASIL entrevistou o ativista político William Clavijo, opositor de Maduro, e a jornalista e diplomata Solka Agudelo, militante chavista, para ouvir as perspectivas antagônicas sobre o processo eleitoral.
ENTREVISTA/WILLIAM CLAVIJO
William Clavijo, doutorando de políticas públicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e cientista político, trabalhou nas campanhas do partido Voluntad Popular, do líder oposicionista Leopoldo López, hoje preso em regime domiciliar. Clavijo, que se define como social-democrata, deixou a Venezuela em 2013 para cursar seu mestrado no Rio e, com o agravamento da crise no seu país natal, aplicou para o doutorado. Hoje, lidera uma manifestação em Copacabana contra o governo de Nicolás Maduro.
Clavijo no JORNAL DO BRASIL: o ativista ajudou irmão e primo a deixarem a Venezuela
A oposição venezuelana boicotou o processo eleitoral por considerá-lo fraudulento. Não teria sido mais estratégico disputar a eleição? 
Posso responder sob a perspectiva de analista e de ativista político. Como ativista, acredito que essas eleições carecem de legitimidade desde o início. Foram convocadas por uma Assembleia Nacional Constituinte estabelecida de forma completamente irregular.
O governo manipulou esse processo para garantir que teria o controle da eleição. Depois da oposição ganhar a maioria do parlamento, em 2015,  o processo democrático foi posto de lado. Adiaram por mais de um ano a convocação do referendo revogatório [que pode tirar Maduro do poder no meio do mandato] por supostamente não haver tempo suficiente para conduzi-lo, mas em dois meses acionaram o mecanismo da constituinte.
Houve negociações para um acordo com o governo na República Dominicana, mas o Maduro não cedeu. Observadores internacionais da União Europeia e da Organização dos Estados Americanos não poderão atuar na eleição. Um governo que quer legitimar uma eleição deveria permitir a entrada deles.
Na perspectiva pessoal, acredito que foi uma péssima decisão estratégica não usar o recurso do voto, ainda que como ato de fé. 
Como você avalia a figura do candidato dissidente Henri Falcón?
A decisão de concorrer foi pessoal. É um político que trabalhou com muito comprometimento pela causa da democracia na Venezuela, desde que ele se distanciou do chavismo entre 2007 e 2008. Prova disso é que Falcón coordenou a campanha presidencial de Henrique Capríles em 2013, que quase se tornou presidente em uma eleição cheia de dúvidas. Maduro prometeu uma auditoria da eleição, o que nunca ocorreu. A Unasul se comprometeu a cobrar do governo, o que também não aconteceu. Falcón é um político inteligente, mas isso evidencia a falta da capacidade da oposição venezuelana em adotar uma posição unificada. 
No cenário em que Maduro se reeleja, como você enxerga a posição da Venezuela regionalmente? 
O cenário da provável reeleição de Maduro traria o contínuo isolamento do governo. O Grupo de Lima alertou Maduro contra a eleição, a União Europeia seguiu o mesmo caminho e os EUA se colocam veementemente contra o processo eleitoral. A representante dos EUA na ONU, Nikki Haley, pediu a renúncia de Maduro na última quarta.
Maduro tenta se legitimar com essa eleição, mas a Venezuela já se tornou um problema regional. Ele criará mais precedentes no Direito Internacional para que seja levado à Corte Penal Internacional e para que a Carta Democrática Interamericana seja acionada.
Em 2017, quando esteve na Venezuela pela última vez, havia polarização nas ruas? 
Temos que parar de falar de polarização. A população não está mais polarizada, ela quer mudança política. Há dois anos falta eletricidade, alimentos, o salário mínimo não atende às necessidades básicas. 60% da população perdeu nove quilos por falta de proteína. Tenho que mandar dinheiro para a minha mãe, senão ela morrerá de fome, além de também contribuir com remédios em falta na Venezuela.
ENTREVISTA/SOLKA AGUDELO
Solka Agudelo é jornalista, diplomata e militante do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), o partido de Nicolás Maduro. Atualmente, dirige a revista internacional Correio de Alba, um periódico voltado para a Aliança Bolivariana Para os Povos da Nossa América (Alba), um organismo que reúne países identificados com a tese bolivariana. Atualmente, vive em Caracas, capital do país. 
Solka Agudelo: "Povo reconhece em políticas sociais de Maduro a base do pensamento chavista"
A oposição venezuelana acusa o governo de não garantir a legitimidade da eleição, inicialmente prevista para dezembro. Como você avalia esse posicionamento? 
Os setores da oposição venezuelana que decidiram não reconhecer as eleições presidenciais de hoje não estão buscando uma saída democrática para a situação do país. Isso tem sido usado como desculpa para aprofundar o ataque às instituições democráticas do país e a pressão internacional. O sistema eleitoral venezuelano conta com importantes garantias. É um sistema automatizado, no qual auditorias são realizadas antes e depois da eleição. São 15 auditorias que vão desde o registro eleitoral e as urnas até o encerramento da eleição. Cada um desses processos é realizado com a participação dos partidos políticos e podem ser acompanhadas ao vivo através do site do Conselho Eleitoral da Venezuela. É um sistema reconhecido por importantes referências no assunto. Mais de 20 milhões de venezuelanos estão convocados para votar hoje. A Venezuela tem o direito de decidir.
Maduro seguiu à risca o projeto de Hugo Chávez? 
Há chavistas que criticam os rumos do governo. Nicolás Maduro chegou ao poder em um momento de profunda dor para o povo venezuelano, depois do falecimento do comandante Hugo Chávez. Seu governo foi assediado desde sua eleição, em abril de 2013, quando setores da oposição convocaram manifestações violentas. Essa violência terrorista se repetiu em 2014 e 2017, apesar dos constantes apelos pelo diálogo por parte do governo. Também se agravou a guerra econômica com um desabastecimento induzido, aumento de preços, contrabando de extração e depreciação da moeda, a redução do preço do petróleo e bloqueios financeiros. Esses elementos marcaram a presidência de Maduro. Mas ele levantou as bandeiras de construção da pátria, portanto, o povo reconhece em suas políticas sociais a base do pensamento chavista.
Você acredita na interferência externa como causa dos problemas enfrentados pelo país? 
Sem dúvida, o interesse das potências hegemônicas mundiais nos recursos estratégicos da Venezuela é uma das causas dos problemas enfrentados pelo país. Nos anos recentes, a política hostil dos Estados Unidos foi do financiamento a grupos opositores que defendem abertamente um golpe de Estado até a imposição de sanções com o objetivo de colocar em xeque um governo legítimo. Antes da chegada da Revolução Bolivariana, o país era apenas mais um quintal dos EUA. Da mesma forma, as medidas adotadas pela União Europeia e países do Grupo de Lima formam parte do ataque à política soberana implementada pela Venezuela. 
Com a ascensão de partidos de direita na América Latina, a Venezuela ficou mais isolada. Quais são os aliados com quem Maduro pode contar? 
O principal aliado é o povo da Venezuela. Internacionalmente, os países da Alba e do Petrocaribe demonstraram a força da unidade pela defesa da autodeterminação dos povos. Países como China e Rússia manifestaram rechaço à política de interferência norte-americana. O país também mantém relações sólidas com Índia e Turquia, além de fortes laços de amizade com países africanos e asiáticos, um marco da cooperação Sul-Sul.

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